domingo, 22 de novembro de 2009












O ACORDO ORTOGRÁFICO – QUANTO VALE ESTA MOEDA?

Por estes dias reuniu-se na Câmara do Senado a Comissão de Educação, Cultura e Esporte (por que tanta coisa junta numa mesma pasta???) para tratar da possível revisão do Acordo Ortográfico Brasileiro (sim, brasileiro mesmo porque até agora a comunidade dos países lusófonos não mexeu um centímetro sequer na intenção de ratificar este polêmico purgante que nos foi enfiado goela abaixo pelo atual Governo, na esperança de conquistar possíveis simpatias internacionais e aumentar a aura de bonachão do Presidente).

Liderada pela Senadora Marisa Serrano, veterana e conhecida professora de Português, o interessante debate contou ainda em sua bancada com o Professor Ernani Terra, outro nome bastante familiar a todos os que militamos na docência da Língua e da Literatura Brasileira, e com o filólogo Leodegário de Azevedo Amarante Filho, Presidente da Academia Brasileira de Filologia.Esteve presente ainda o Senador Cristovam Buarque.

O clima, obviamente era de oposição e de crítica ao Acordo. Mas o mais interessante foi ver o Professor Leodegário, a quem de direito deveria ser a consulta e a decisão sobre este Acordo espúrio, mercantilista e oportunista, queixar-se de não ter sido a Academia de Filologia sequer consultada. O eminente filólogo deixou claro sua mal-querença com o referido Acordo.

Ora, o professor Leodegário não é pouca coisa; além de Presidente do órgão que tem mais trato com a Lingüística e a Filologia do que a Academia Brasileira de Letras, é o maior especialista em Camões, tanto no Brasil como em Portugal, respeitadíssimo nos dois países. Ele, com uma vida inteira de intenso trânsito entre Brasil e Portugal, melhor do que ninguém conhece as diferenças culturais entre o Brasil e os países signatários do Acordo.

E o Mestre, do alto dos seus 80 anos, fez jus à sua longa carreira e á sua reputação cultural: até agora, até onde eu o saiba, foi o único alto representante da Língua Portuguesa – aqui incluídos filólogos, gramáticos, lingüistas, acadêmicos, professores educadores e docentes - a se opor veementemente ao Acordo. A grande maioria – não é de bom tom citar nomes – vendeu-se para um pouco de fama, com direito a sucessivas entrevistas nas revistas especializadas e programas de televisão, unindo-se aos professores-marqueteiros-teleapresentadores, cujas verdades se resumem a esta, por exemplo: “Eu não concordo muito com o Acordo, mas pra mim ele vai ser ótimo, porque eu vou passar o resto da vida dando palestras sobre isto.” Sem comentários.

Acredito que o Professor Antônio Houaiss, autor e condutor da trajetória do Acordo Ortográfico, tinha boas intenções em relação ao seu projeto original. Doze anos depois de sua morte, o Acordo virou moeda para qualquer coisa espúria.

Quanto à Academia Brasileira de Letras, infelizmente temos que mais uma vez repetir a já clássica boutade de Luís Fernando Veríssimo:

“Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar vivo.”

quarta-feira, 18 de novembro de 2009


BANDEIRA, MUITO ALÉM DA POESIA

Este curioso fato narrado pelo poeta pernambucano, um dos ícones do Modernismo Brasileiro, vem com o propósito de demonstrar uma interessante faceta de Manuel Bandeira: a do escritor preocupado com a preservação da memória e do patrimônio literário brasileiro. Neste ponto, não há, em toda a historiografia da Literatura Brasileira um espírito tão desprendido e tão dedicado em não permitir o precoce esquecimento de escritores de pouca monta ou mal colocados no segundo escalão do terrível cânone brasileiro.

Assim é que, por volta de 1947, ano do centenário de Castro Alves, Bandeira esteve à frente dos trabalhos em homenagem ao vate baiano, trabalhando na reedição de seus livros, como já havia feito com o simbolista Alphonsus de Guimaraens e com o camoniano anti-modernista José Albano. Se hoje Albano é bastante lembrado, querido, revisitado e estudado pela atualidade, o mérito é todo de Bandeira que, em 1938 editou às suas expensas o único livro do poeta cearense, o famoso Rimas de José Albano.

Mas talvez seu trabalho mais notável nesta área de seletas e antologias a que se deu o trabalho de organizar com tanto afinco e perfeição seja a conhecidíssima Apresentação da Poesia Brasileira, um apanhado geral de todas as tendências poéticas até então. Clássico e referencial ainda, não há trabalho similar que se lhe compare em sobriedade e riqueza informativa.

Mas Bandeira foi muito além da poesia brasileira como um todo: aventurou-se no varejo, amiudando-se em todas as escolas poéticas: fez antologias dos poetas parnasianos, simbolistas, modernos e até uma antologia hispano-americana. Fez ainda uma biografia de Gonçalves Dias e uma antologia de Antero de Quental.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009


CASTRO ALVES, ESSE DESCONHECIDO!

Esta história curiosa deu-se nos anos 30 e foi relatada pelo poeta Manuel Bandeira.

João Ribeiro, escritor e filólogo sergipano, foi o autor do famoso Fabordão, leitura obrigatória no ensino colegial do Brasil das primeiras décadas do século XX. Era considerado um modelo perfeito de retórica e correção gramatical, junto com Carlos de Laet, Fausto Barreto e Euclides da Cunha. Está completamente esquecido, lamentavelmente.

Pois este escritor era também juiz de direito e estava lotado na comarca de Pouso Alegre, no interior de Minas. Certa vez recebeu a visita de seu amigo Manuel Bandeira. Estavam os dois no alpendre conversando, quando surge um velhinho de longas barbas brancas, beirando os 100 anos.de idade.O homem, curiosamente, começou a falar dos seus tempos de estudante na Faculdade de Direito de São Paulo e de seus colegas que se tornaram ilustres figuras da República, dentre eles Campos Sales e Rodrigues Alves, que mais tarde tornaram-se presidentes do Brasil.

A conversa tomou um rumo mais imprevisto ainda quando o ancião tentou lembrar-se de um nome esquecido. Reproduzo aqui o trecho como contado por Bandeira:

- Tinha também um moço muito inteligente que fazia versos. Como é que se chamava mesmo?...Esse moço, numa caçada, deu um tiro num pé, voltou para a Bahia e morreu por lá...

- Castro Alves?

- Castro Alves, isso mesmo!

Assim, para o contemporâneo sobrevivente do poeta, Castro Alves era apenas um moço que fazia versos, levou um tiro no pé e voltou para a sua província, onde morreu...

domingo, 15 de novembro de 2009




A INTERNET APÓCRIFA

Com frequência recebemos e-mails contendo mensagens de auto-ajuda, anedotas e outras trivialidades, assinadas por escritores renomados, já falecidos ou ainda vivos. Os mais usuais são Luís Fernando Veríssimo, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Alves e Affonso Romano de Sant’Anna. Há mesmo uma falsa carta de despedida atribuída a Gabriel Garcia Márquez, anunciando sua morte em breve.

Outros texto de menor porte são presumidamente assinados por celebridades midiáticas como a atriz Patrícia Pillar, que conta, nessa carta de mentira, sua luta e sua superação contra a doença que a atingiu.

Há nisso tudo duas questões intrigantes. Em primeiro lugar, o que leva tais pessoas a cometerem este crime de pseudo-mensagens? Sim, porque não deixa de ser um delito esta falsa atribuição de textos vulgares, chulos e muitas vezes até obscenos usando do prestígio ancorado no renome de escritores célebres. Suponho que a razão para isto seja a de atrair para sites pessoais um público que se diga culto e letrado – se os sites não são visitados, morrem em pouco tempo. Sendo assim, porque assinar um texto com o próprio nome, desconhecido do grande público? A circulação através dos e-mails, dando a volta ao mundo e sempre voltando com a mesma mensagem para sua caixa postal auxiliaria nessa perpetuidade.

A segunda questão: porque razão nenhum escritor, seja dos vivos, ou dos já falecidos, devidamente representados por seus herdeiros e espólios, contesta isto e não vem a público para esta confrontação?

Este é um ponto interessante a ser considerado no Marco Regulatório da Internet.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009


...CECÍLIA!

A morte a marcou desde a primeira infância, e foi a morte o grande parâmetro de sua obra, razão pela qual Cecília Meireles reeditou o Simbolismo no Brasil, junto com outros poetas soturnos e ao mesmo tempo imensamente ternos e humanos, como Henriqueta Lisboa e Augusto Frederico Schmidt.

Isto causou profunda indignação em Mário de Andrade, que demonstrou em uma carta célebre toda a sua frustração e todo o seu pesar por ver que as conquistas do Modernismo agora davam lugar a um mundo de poetas preocupados com a solidão, o desencanto e a efemeridade da vida. Até Vinícius de Moraes fez parte desse magote.

Mas a mulher de impressionantes olhos verdes soube ir muito além desse pretenso Simbolismo, fugindo dos chavões dos cultores de Verlaine, Stecchetti e Alphonsus de Guimaraens. Sua poesia foi pontuada de seres fantásticos, borboletas efêmeras, animais encantados, graciosas moças hindus envoltas em seus saris. Como se fosse um grande eufemismo, a dura face da morte foi atenuada por uma ternura sem fim e por uma poesia interrogativa, inquisitiva:

“Em que espelho ficou perdida a minha face?”

Cecília foi uma artista de muitas facetas. Seu nome hoje ainda é referência para o padrão musical clássico brasileiro, e com justeza, pois, em sua poesia, verso e canção estão intimamente entrelaçados. Barcarolas, cançonetas, poesias nitidamente metrificadas e prontas para receber uma possível notação musical:

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Globe-trotter,viajou por todo o planeta, encantando-se com as diferenças culturais. Conheceu o Mahatma, abraçou a cultura indiana, que retratou em Poemas Escritos na Índia. Criativa, renovou o vocabulário poético nacional, ao dar à sua poesia a leveza e a densidade de neologismos como Solombra e Rosicler

A moça que aos 10 anos de idade recebeu das mãos do Príncipe dos Poetas, Olavo Bilac, seu diploma de graduação, não esqueceu das crianças, ela que não teve infância. Criou a primeira biblioteca infantil do país. Escreveu uma singela biografia de Rui Barbosa para os pequenos: RuiPequena História de uma Grande Vida. Compôs poemas infantis que até hoje são muito lembrados: O Último andar, A Bailarina, O Mosquito.

Imensa, diversificada, cromática, instigante, sua obra chega ao ponto máximo em Romanceiro da Inconfidência. A saga dos conspiradores derrotados é um hino à democracia, á liberdade mesmo, um libelo contra todas as intransigências e arbitrariedades:

LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,

Ouve-se em redor da mesa.

E a bandeira já está viva,

e sobe, na noite imensa.

E os seus tristes inventores

já são réus – pois se atreveram

a falar em liberdade

(que ninguém sabe o que seja).

domingo, 5 de julho de 2009

CHICO BUARQUE, O ÁPICE...!


Ainda sob o impacto da súbita morte de Michael Jackson, o planeta inteiro espera pelo impressionante funeral que está sendo preparado para o cantor americano, revivendo assim a história de Elvis Presley e John Lennon. É uma mobilização massiva com um dado novo: a cobertura da moderna mídia: Twitter, YouTube, celulares-câmera e muito mais.
Curiosamente, aqui no Estado do Rio, outra inesperada manifestação massiva acontece, mas não de tristeza, e sim de júbilo e celebração: a presença de Chico Buarque na FLIP, a Feira Literária de Parati. Está lá nas notícias do dia, está nos mesmos Twitters e YouTubes para todo o planeta: mulheres subiram nas árvores, velhinhas tentaram furar a fila dos autógrafos, no que foram impedidas pelos seguranças, ambulantes pararam de vender e ficaram mesmerizados, querendo crer que o maior artista brasileiro estava ali, em carne e osso.
Ao lado de Milton Hatoum, o maior escritor brasileiro da atualidade, veio para uma sessão de autógrafos que vai entrar para a história. É curioso. Chico Buarque, anti-herói por excelência, tinha tudo para ganhar a antipatia de todos: arredio com a imprensa, malcriado, franco e desabusado, mau marido, mulherengo, com fama de alcóolatra, Chico tem em sua bagagem uma série de histórias nada exemplares. Inimigo número um da ditadura mlitar no Brasil, o exílio e a censura que lhe foi imposta não o impediram de destilar sua raiva contra os mandarins do período de exceção no Brasil:

"Apesar de você/ amanhã há de ser outro dia/ Inda pago pra ver meu jardim renascer/ Só você não viria/ Como vai proibir/ Quando o galo cantar/ Sem lhe pedir licença" (APESAR DE VOCÊ - "endereçado" ao Presidente Médici)

Ninguém Ninguém vai me segurar Ninguém há de me fechar As portas do coração Ninguém Ninguém vai me sujeitar A trancar no peito a minha paixão Eu não Eu não vou desesperar Eu não vou renunciar Fugir Ninguém Ninguém vai me acorrentar Enquanto eu puder cantar Enquanto eu puder sorrir
(CORDÂO - "endereçado" ao Presidente Geisel)

Em 1978 foi a Havana com outros intelectuais brasileiros, dentre eles seu amigo, o escritor Antônio Callado. Ao desembarcarem no Galeão, na volta, foram todos detidos.
Teve uma briga com o escritor Millôr Fernandes. Este havia declarado em uma entrevista que "não confiaria em Chico Buarque nem para tomar conta do meu cachorro" Dias depois os dois se esbarrararam na festa de um amigo em comum e trocaram bofetões.
A filha mais velha de Chico, a atriz Sílvia, é casada com o músico Carlinhos Brown, negro, parceiro de Marisa Monte. Tiveram um filho, obviamente mulato. Surgiram especulações de que o avô estaria envergonhado pele cor do neto. Saindo da igreja onde havia sido batizado o menino, com este no colo, foi cercado pela imprensa. Ele, que não dá entrevistas a ninguém, não se segurou e foi logo soltando o verbo:"Estão dizendo por aí que eu estou vergonha do meu neto. Só por que ele é de cor? Quem é branco no Brasil? Ninguém é branco no Brasil. Nem a Xuxa. Aliás, a Xuxa tem de casar logo para a raça não acabar."
O velho Sérgio Buarque de Hollanda, pai de Chico, autor do clássico da Sociologia Raízes do Brasil, mais uma vez ficaria orgulhoso do filho, como sempre o foi.


segunda-feira, 1 de junho de 2009


ÉRICO VERÍSSIMO, NOVELISTA POR EXCELÊNCIA

 

           

                        Um autor injustiçado pelo cânone retaco brasileiro, e sempre criticado com aquela conversa velha e ultrapassada: “ Sofreu influência de Huxley, John dos Passos e Rosamund Lehman.” Ou então lembrado como um dos romancistas regionais  - outra coisa que caiu por terra – como Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e José Lins do Rêgo.

                        Alguém há de reacender a polêmica em torno de sua postura política no período da ditadura militar no Brasil – outra coisa abominável. E, por fim, sempre será lembrado como o Veríssimo pai. O filho é o cronista – não digam humorista, pelo amor de Deus – Luís Fernando Veríssimo.

                        Apesar do monumento impressionante que é O Tempo e o Vento, painel histórico da formação do povo gaúcho, Veríssimo é pouco considerado como o grande romancista que foi. Água com açúcar, sentimentalismo, dirão os críticos de Clarissa, Música ao Longe e Olhai os Lírios do Campo.

                        O que se há de fazer? Nosso universo literário dominado pelas obras impressionantes de Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e Clarice Lispector não tem pra ninguém. Dez Dan Browns não perfazem um terço de um Jorge Amado dos bons tempos.

                        Mas à parte essa constrangedora por parte de nossos exegetas literários, há um notável fato que distingue e alça o velho Érico acima dos demais: a novela.

                        Sim, na verdade Érico foi não só mais feliz no campo da novela – Caminhos Cruzados e Noite são os ápices disto – como ele mesmo conseguiu uma coisa impressionante (e apenas ele, mais ninguém): fundir romance e novela em uma só obra. Quase todos os seus livros passam por esse processo. O recém reeditado O Resto é Silêncio (Companhia das Letras, 2008) é o melhor exemplo disto.

A estrutura é em parte romance, uma história longa, em certo ponto obedecendo a estrutura capitular, mas com os títulos dos capítulos fazendo eles mesmo parte do descortinar do drama da suicida Joana Karewska.e de sua posterior investigação pelo alter-ego de Veríssimo, o escritor Tônio Santiago.

                        Como em todas suas obras, Veríssimo vai buscar no meio da multidão um rosto perdido, uma vida apagada, uma alma atribulada. A nariguda Tilda, o encrencado Sete-Méis, o estróina Nicanor   the man in the crowd. Drama, desencontros, tragédia pessoal, rixas de família, a cidade grande que cresce mais a cada dia e vai engolindo despersonalizadamente as vidas sem rumo. Veríssimo é novelista verdadeiro e dos bons, como A.J.Cronin e  Pearl S. Buck, como Cyro dos Anjos e seu Amanuense Belmiro.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

TERRA IGNOTA???

Apesar das radicais mudanças culturais ocorridas a partir dos anos 90 em todo o mundo, especialmente com o triunfo da informática sobre o mundo da leitura e da mídia sobre o universo da cultura tradicional – música, teatro, artes plásticas, literatura, ciências humanas – estes pináculos da cultura universal ainda subsistem em suas regras de comportamento, nos padrões estabelecidos há séculos atrás.Um quadro exibido hoje em qualquer galeria de arte talvez obedeça aos padrões modernos de subjetivismo estabelecidos pelo Modernismo, mas, em essência, ainda é a mesma arte de Michelangelo, Renoir e Picasso. Talvez a música clássica tenha encerrado seu reinado no mundo da criação artística, só nos restando as reproduções dos ícones – Mozart, Verdi, Copland e tantos outros. Mas mesmo o mais reles rap ou o mais sensaboroso hip hop ainda obedece aos mesmos padrões musicais de sempre. Ou seja: tudo tem regra. Seja Filosofia, Matemática, Artes Cênicas, Esporte – todos têm regras que são adotadas e respeitadas.

                        Por que então só a Literatura é desrespeitada neste sentido? Não somos terra ignota, ou seja, não somos uma barraca de lona que se muda a toda hora e da qual se faz o que se desejar. O mais terrível é que esta bandalha procede justamente de quem menos se espera: os editores e os escritores contemporâneos.

                        Não é nenhum ideário; muito pelo contrário, são regras estabelecidas, inclusive com fins didáticos e escolares. Refiro-me às classificações de gêneros e estilos que balizam e definem a Literatura em geral.

Assim, temos o romance, o conto, a novela e a crônica como principais expoentes da ficção, cada um com sua idiosincrassias e com suas características. O romance é uma narrativa longa, - 100 páginas em diante - com uma personagem principal e várias paralelas, podendo abordar situações afetivas ou amorosas, ou não; é capitular, podendo dividir-se em partes, ao gosto do autor. É narrado na primeira ou na terceira pessoa. Mesmo que não haja um antagonista em carne e osso para opor-se ao protagonista, situações adversas podem substituí-lo a contento. E, finalmente, a ambientação espaço-temporal é a marca registrada do romance. Ah, sim: o romance pode ser épico, de cavalaria, clássico, indianista, regional, modernista, realista, naturalista, policial e muito mais.

E temos a novela( não confundir com o folhetim eletrônico exibido nas televisões de todo o mundo, embora os dois partam do mesmo princípio e tenham a mesma origem etimológica: novelo, aquilo que vai se  desenrolando). Esta é uma narrativa de fôlego curto, em geral não chega a 200 páginas. Caracteriza-se pela quase ausência de personagens. Na verdade, funciona assim: uma personagem tem um problema a resolver. Ou seja, o enigma, o soturno, o problemático, o insolúvel e o pesadelo predominam nesta forma magnífica que nos deu algumas obras-primas como Os Ratos (Dyonélio Machado), Noite (Érico Veríssimo), Acusado de Homicídio (José Louzeiro) e tantas outras. Não é um estilo de narrativa alegre, não há descrições exuberantes da natureza como nos livros de Alencar, nada de flertes amorosos ou sublimes idealizações, apenas o roto cotidiano. Ou aquele pesadelo do qual não se consegue despertar.

                        O conto é uma narrativa curta, de no máximo 15 páginas (embora haja algumas exceções históricas, como O Alienista, de Machado de Assis, com mais de 30 páginas) Nele também as personagens podem ser, até certo ponto, secundárias. O que conta é o desdobramento espacial ou temporal, ou os dois combinados, incidindo sobre as personagens da narrativa. Em geral, quase imperceptivelmente, todo conto é opinativo. Ou seja, o autor mais do que narrar uma simples história, quer expressar alguma verdade através dos acontecimentos do conto.

                        A crônica é um instantâneo, um retrato do momento, uma tentativa de se eternizar a fugacidade da vida, razão pela qual os grandes da era da crônica carioca, como Rubem Braga (principalmente!), Paulo Mendes Campos, Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, entre tantos, utilizaram um misto de prosa poética e observação jornalística para focar, de uma forma minimalista e profundamente afetiva, o cotidiano do “homem comum” de Copland.

Ora, os editores atuais têm abolido a distinção entre romance e novela. Na verdade, eles sempre tiveram esta dificuldade. Ousadamente afirmo que nunca considerei os livros de Kafka como romances, para mim todos eles são novelas, pelas razões que apontei acima. Um exemplo atual: a recente  reedição de À Beira do Corpo, de Walmir Ayala, categorizado como romance. O trágico idílio da adúltera Bianca em nenhum momento obedece aos pressupostos de um romance tradicional.

                        Acredito em parte que este amalgamento deva-se à confusão idiomática provinda das traduções dos autores norte-americanos. Estes, sempre na contramão do mundo, não distinguem camelo de dromedário, usam a palavra camel para designar as duas espécies. Diferenciam o crocodilo de sua forma nacional, o aligátor, mas não fazem o mesmo com o nosso popular jacaré – chamado por eles de cayman ou mesmo aligátor.

                        Da mesma forma, não fazem distinção entre novela e romance. Para as duas formas só há o termo novel, traduzido entre nós como romance – seja novela ou romance. Curiosamente só fazem a distinção quando se trata do romance policial, adotando a forma francesa roman noir.

                        Do lado dos escritores, a heresia moderna está na distinção entre conto e crônica. Sem espaço para grandes publicações na área do romance, os contistas brasileiros proliferam em antologias, seletas, blogs, zines e o que mais vier. É tudo muito engraçadinho, moderno, alternativo, socialista, colagem, bricabraque, parangolé, exercício de imaginação, flash, tudo meiooswaldandradiano ou leminskiano – o que vale é ser antena. Nada a ver com a arte suprema da Literatura – o conto. Não tem corte, sangue, tutano, essência – todo mundo um pouco Robbe-Grillet. O problema é quando estamos diante de uma crônica que se pretende conto. Há algum tempo atrás – não sei se ainda escreve lá – a Heloísa Seixas publicava na última página da revista Domingo/JB uma seção chamada Contos Mínimos. Na verdade, crônicas pessoais, momentos e reflexões. Difícil para nós, professores de Letras, fazer os alunos entenderem tal confusão. 

quinta-feira, 23 de abril de 2009

ATENÇÃO, MULHERES!



Antologias e seletas literárias geralmente terminam em polêmica e geram inimizades, azedando antigos relacionamentos entre os organizadores de tais compêndios e os que, de uma forma ou de outra, se julgaram preteridos. Eu mesmo sou um pouco reticente em relação aos critérios adotados, em geral pouco literários e muito ao gosto do editor.

            Mas este Guia de Escritoras da Literatura Brasileira(EDUERJ – Editora da UERJ, 2006), da veterana Luíza Lobo, ela mesma uma das grandes escritoras aqui da terrinha, digna de figurar entre as 36 aqui selecionadas, está perfeito em sua seleção. Irretocável. Completo. O livro é simplesmente maravilhoso.

            Estão todas lá: Auta de Souza, Francisca Júlia, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Gilka Machado, Cora Coralina, Nísia Floresta, Adélia Prado e muito mais. Só lamentei a ausência de Renata Pallotini e da pernambucana Marilene Felinto, uma escritora soberba, pouco lembrada pelos nossos cânones.

            36? Alguém pode achar pouco, para dois séculos de ficção e poesia.brasileira. Mas é importante salientar que a nossa literatura pra valer começou tarde, depois de muitos ensaios. É a partir de Alencar, já com o Segundo Império se apagando, que ela ganha corpo e uma feição genuinamente brasileira. As mulheres lutaram muito para ir muito além dos afazeres domésticos e se inserirem no contexto sócio-cultural do Brasil. Cada uma delas é um capítulo de bravura e determinação, como são os casos de Narcisa Amália, Auta de Souza, Cecília Meireles e Cora Coralina.

Há duas coisas curiosas a destacar. A respeito de Clarice Lispector, a organizadora nos traz uma informação surpreendente. Até há algum tempo atrás dava-se o ano de 1925 como sendo o de nascimento da escritora. Agora sabe-se que nasceu em 1920, o que derruba a fantasiosa ficção de que teria escrito Perto do Coração Selvagem aos 17 anos. Caiu por terra o mito da adolescente precoce. Uma mistificação? É mais uma história para incrementar a extraordinária biografia da autora de Laços de Família.

            Em relação à paulista Francisca Júlia, há uma incongruência. Diz ela, a respeito das estranhas circunstâncias de sua morte, que Otto Maria Carpeaux, no seu clássico Pequena Bibliografia Crítica da Literatura Brasileira, comenta sobre o “possível suicídio” da escritora. Pesquisei as várias edições do livro, nas páginas indicadas, e não encontrei tal referência ou comentário.

segunda-feira, 20 de abril de 2009





            

“Adoradores do Sol”: O ARTISTA-OPERÀRIO

 

            Certa vez assisti a um documentário sobre o veteraníssimo ator Karl Malden (o mais antigo ator ainda vivo, com 97 anos) e que fazia uma interessante colocação sobre o ator de Sindicato de Ladrões: um ator-operário, sempre disposto a dar o melhor e encarar qualquer papel que viesse. A partir daí desenvolvi uma tese segundo a qual alguns artistas comportam-se como se fossem disciplinados operários-padrões, visando diversos objetivos. Classifiquei-os em três categorias:

            A primeira é:


            “Tem trabalho, eu faço.”

Ou seja, pegam na vassoura, no esfregão, no balde e mandam ver. Para estes artistas, não importa a qualidade do roteiro, a possível rentabilidade do filme nem a futura receptividade do público. O Importante é estar em atividade. E ninguém mais representativo do que Nicolas Cage para exemplificar isto.

            Oriundo de uma tradicional família do cinema – sobrinho de Francis Ford Coppola, com quem trabalhou em Peggy Sue, e primo de Sofia Coppola, diretora do renomado Encontros e Desencontros, Cage optou por afastar-se do modelo familiar e artístico, abrindo mão do famoso sobrenome e preferindo uma carreira mais pop e escorregadia, alternando filmes ruins com filmes medíocres – todos de grande sucesso – com algumas preciosidades de vez em quando. Assim é que depois do magnífico O Senhor das Armas e deste lindíssimo O Sol de Cada Manhã – para mim o melhor de sua carreira – ele se volta para fazer coisas inacreditáveis como O Motoqueiro Fantasma.

            É importante observar que artistas que passaram anos de longo ostracismo ou sem conseguir um papel relevante em algum filme, como John Travolta e Christopher Walken, adotam esta postura tíbia. O primeiro é recordista em freqüentar a lista anual do Troféu Framboesa, o Oscar dos piores do ano. Já Walken declarou recentemente: “Hoje em dia não me preocupo mais com que filme vou fazer – o importante é que eu o faça.”

            Mas alguns fazem isto por prazer. O brasileiro Wilson Grey, o inglês Donald Pleasence, e os americanos Elisha Cook Jr. e J. T. Walsh  notabilizaram-se por longas carreiras marcadas pela presença no segundo escalão – sempre como atores-escada, sem se importarem com o tipo de filme ou com qual diretor trabalhassem. Cada um deles fez, no mínimo, 300 filmes (Pleasence fez mais de 500!), a maioria medíocres, sem nenhuma importância – só o prazer de trabalhar.

A segunda categoria é:

 

            “Ninguém quer fazer, eu faço.”

 

            Aqui entram os mistificadores da arte. Aquela cena difícil para a qual não parecia haver ator ou atriz disponível. Para embasbacar o público: um nu frontal, um beijo gay, uma cena sexualmente agressiva, ou mesmo Nicolas Cage – olha ele aí de novo – comendo uma barata em O Estranho Vampiro.

E quem mais senão ele,faria a tão criticada e odiada refilmagem do clássico Asas do Desejo, de Wim Wenders, agora americanizada como Cidade dos Anjos? Quem mais, senão Steve Martin, ator em franca decadência, faria as inacreditáveis refilmagens de Doze é Demais ( ainda teve a cara de pau de fazer a segunda – DUAS É DEMAIS!!!) e A Pantera Cor de Rosa, uma ofensa para a história do cinema?

            O público faz ooohhhh e os críticos medianos se perguntam: “Por que não ganhou o Oscar?” Levando-se em conta os princípios básicos da atuação e da representação, estabelecidos pelos dramaturgos gregos há mais de 2000 anos atrás...

            E a terceira é:

“Posso fazer melhor do que antes”

       

        Curiosamente, nos últimos anos, alguns consagrados atores vem desconstruindo suas carreiras, na contramão de seu prestígio conquistado. Comediantes como Robin Williams agora fazem filmes sérios e dramáticos como Insônia e atores sérios como Robert De Niro agora fazem comédias como Entrando Numa Fria e Bulwinkle. Os resultados variam do razoável , no caso de Williams ao insuportável, no caso de De Niro, a quem sempre considerei um canastrão disfarçado.


segunda-feira, 13 de abril de 2009

“Adoradores do Sol”:O CASO ADRIANO



Em uma de minhas obras, “Adoradores do Sol”, discuto temas ligados ao binômio fã/celebridade e a demais questões envolvendo carreira, sucesso, fama, posteridade e escândalos. O caso do jogador de futebol Adriano é um fato recorrente – mas não é inexplicável.

                        Em primeiro lugar, é preciso tirar o verniz de superficialidade imposto pela ingerência cultural imposta pela forma predominante de cultura no Brasil, a das Organizações Globo – notadamente em sua forma mais popular e aceita, a televisiva. Através desta somos condicionados a aprender e aceitar que todo mundo quer ser famoso, rico, belo, bem sucedido – e feliz. É o que procuram nos impingir o Big Brother Brasil, o Twitter, os vídeos no You Tube, e por aí vai. Ninguém mais se conforma com os 15 minutos de fama preconizados pelo glitter Andy Wharol.

                        Mas a prática logo derruba essa precária e falsa teoria. Nossos dois maiores artistas nacionais, os cantores/compositores Roberto Carlos e Chico Buarque, são pessoas tímidas, arredias, azedas com a imprensa, fugindo dos holofotes, apenas desejando perfazer sua arte em paz e longe de qualquer badalação. A história da cultura do século XX nos mostra um sem fim de gente eremita e que não está nem aí para os louros do sucesso: escritores como J. D. Salinger, Dalton Trevisan, Raduan Nassar e Rubem Fonseca não dão as caras nem para uma simples foto.

                        Músicos como Van Morrison, Tom Waitts e João Gilberto, por mais reclusos e exóticos que pareçam, na verdade apenas desejam que uma possível invasão de privacidade não lhes venha perturbar seu estado de contemplação e seu métier de composição. No cinema, a coisa é mais radical. Astros de ontem e de hoje, como Marlon Brando e Johnny Depp escolheram tratar os paparazzi  de maneira ingrata – o astro de Sweeney Todd  certa vez ameaçou bater nos fotógrafos que tirassem fotos de sua esposa,a cantora francesa  Vanessa Paradis e de seus filhos.

O imaginário brasileiro idealiza jogadores de futebol e cantores populares como pessoas dóceis, sempre prontas a dar autógrafos, distribuir sorriso e responder perguntas de pouca importância. Nem sempre é assim. O caso do Adriano me lembra exatamente o do cantor Luiz Melodia.

                        Costumo dizer que Melodia deveria estar hoje no sagrado patamar dos grandes da MPB, junto com Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Djavan e Gilberto Gil. Mas algo se perdeu pelo caminho. Como se diz no popular, ele tropeçou na sombra. “A sombra da neurose te persegue há quantos anos (“Ébano”)...Só o LP dele de 76 – aquele álbum de 4 que tem Estácio, Holly Estácio, Baby Rose e Congênito, entre outras canções -  seria suficiente para chamá-lo de gênio.

Numa entrevista dada ao JB há alguns anos atrás, ele explicou o que sucedeu depois do estouro de Juventude Transviada, gravada por Gal Costa em 1975. Assoberbado pelo repentino sucesso, fugiu do assédio do público e dos jornalistas, indo esconder-se em Salvador, até que a onda passasse. De lá para cá construiu uma carreira acidentada, como a premiação polêmica da citada acima Ébano em um Festival da Canção, e relações difíceis com gravadoras e com o público. Chegou a ser enxotado de um show no Rio pela platéia.

                       

quarta-feira, 8 de abril de 2009

ANA MARIA BRAGA, BABENCO E O REI EZEQUIAS

A sabedoria popular ás vezes é contraditada pela nossa realidade incipiente. Deus escreve certo por linhas tortas? A Bíblia diz que NEle "não há injustiça alguma" e "que seus caminhos são retos". Algumas verdades estabelecidas como lugar comum nem sempre funcionam desta maneira. E uma delas diz respeito às pessoas que passaram por situações extremamente difíceis, como sair vivo de uma grande catástrofe ou ser curado milagrosamente depois de ser desenganado pela medicina e, após tudo isso, tornar-se uma pessoa melhor, mais sábia, humana e compreensiva. Nem sempre.
A apresentadora de TV Ana Maria Braga é uma das pessoas mais influentes do Brasil. Com seu programa matinal de etiqueta, culinária, entrevistas e variedades, é a sucessora legítima no imaginário popular de outra loura,  que reinou soberana por muito tempo - Xuxa. A Globo precisa sempre de uma loura para manter o padrão e não deixar o barco afundar de vez.
Há poucos anos atrás a apresentadora foi diagnosticada com um câncer de relativa gravidade, o que consternou bastante seu imenso e dedicado público. Tratada, curou-se  - ou Deus escreveu pelas linhas certas?. Curada, continua a ser a mesma pessoa intempestiva e pernóstica de antes: destemperada com os subordinados do programa, malévola com os entrevistados, casca grossa e impaciente de um modo geral.
O mesmo sucede com o cineasta Hector Babenco, argentino naturalizado brasileiro, realizador de clássicos como "Lúcio Flávio - Passageiro da Agonia", "Pixote" e, mais recentemente, "Carandiru". Babenco, como a apresentadora, também passou pela situação de um câncer - e dos piores: linfático. Lembro-me de sua entrevista na VEJA, profundamente comovente, quando ainda estava em tratamento. 
Ele também ficou curado - mais algumas linhas retas - e também não mudou muito. Recentemente acossado pela reportagem do CQC (Custe o Que  Custar), chamou o repórter Oscar Filho de "bolha' e deu-lhe uma revistada na cara.
Isso tudo me faz lembrar a história do rei Ezequias, de Judá, fato que está narrado no livro do profeta Isaías, por intermédio de quem ficou curado. Ezequias foi um rei magnífico, talvez o mais espetacular depois de Davi e Salomão e um dos poucos que prestaram daquela tralha toda dos reis de Israel e Judá. Ele é lembrado, além das obras arquitetônicas que realizou, pela sua cura milagrosa.
A Bíblia diz que sua doença era uma "úlcera'. Presumo que fosse algo de mais gravidade, a ponto de afetar o seu comportamento. Porque depois de sua cura milagrosa, Ezequias virou outro - ou era a mesma pessoa com comportamento dúbio?
Segundo o relato de Isaías, este foi mandado por Deus ao rei para avisá-lo de que sua doença era incurável e sua morte iminente: "Põe a tua casa em ordem , porque morrerás e não viverás" (Isaías 38:1). O que se seguiu é bem notório de todos: Ezequias se derramou em lágrimas e Deus o curou milagrosamente, fazendo retroceder a sombra do relógio de sol. Esta passagem é o deleite e a delícia da maioria dos pregadores medianos que acham tudo isto muito simpático. Mas a verdade é outra: Deus não tinha intenção de curar o rei. Porque sabia dos problemas que isto acarretaria no futuro.
Esta é uma lição que aprendi ainda novo na fé, e que ainda guardo com muito respeito: a oração que não se deve fazer, a "Oração do Rei Ezequias." Se você insiste com Deus em querer algo que Ele sabe que não vale a pena, o relógio de sol pode até voltar no tempo - mas as consequências serão ruins.
Após sua cura, Ezequias recebeu a visita dos embaixadores de Babilônia. Claro, a esta altura todos os reinos próximos estavam bestificados com o ocorrido, depois de acharem que Ezequias, pedra no sapato de todos eles,  ia desta para a melhor. Pois bem, Ezequias os recebeu e fez algo completamente indevido: abriu os tesouros de seu reino e de seu arsenal e mostrou tudo aos estrangeiros, atiçando-lhes a cobiça futura.
Veio o profeta Isaías, mais uma vez, agora para repreendê-lo e avisá-lo do que ia suceder no futuro: seu reino seria invadido por estrangeiros, tudo seria levado e seus descendentes seriam levados como cativos. A reação de Ezequias foi exemplar: "Boa é a palavra do Senhor que disseste. Pois pensava: haverá paz e segurança em meus dias" (Isaías 39:8).
Ou seja, no popular:Tudo bem, eu não me importo mesmo - isso não vai ser por agora."






quinta-feira, 2 de abril de 2009

UM FRANCÊS TERRÍVEL

Não houve e jamais haverá na França alguém que tenha tomado para si as dores da pátria e encarnado a própria nacionalidade como o colérico e temperamental Victor Hugo, autor de "Os Miseráveis", "Nossa Senhora de Paris", "Os Trabalhadores do Mar" e tantas outras de sua pena que se tornaram imortais. O que Napoleão Bonaparte foi para a política, Hugo foi para a cultura de seu tempo. Chegou ao ponto de afirmar: "França, França, sem ti , o mundo ficaria só!" 
E há um curioso episódio que retrata bem isso. Quem o conta é Eduardo Prado, no seu magnífico "A Ilusão Americana" - mais de cem anos depois um  livro atualíssimo e que todo brasileiro preocupado com os arroubos norte-americanos tem a obrigação de ler.
Ora, a França acabara de sair de uma refrega com a Alemanha, tendo uma derrota vergonhosa e perdendo importantes partes de seu território nesse duelo. Então o presidente americano Ulysses Grant e seu Secretário de Estado, Briant, mandaram telegramas de congratulações à nação vencedora. Grant, herói da Guerra Civil e popularíssimo em seu país, estava em ano eleitoral e resolveu aliciar a colônia alemã radicada nos Estados Unidos. Simplesmente uma manobra eleitoreira.
Os franceses ficaram irados. E não era por menos: os dois países tinham laços cordiais de amizade, foi a França que ajudou os Estados Unidos em sua luta de independência contra a Inglaterra. Mas ninguém ficou mais exaltado do que Victor Hugo. Em um enorme poema, "Briand", descascou o Secretário de Estado  americano, autor da tramóia. O camarada foi chamado de verme pra baixo.
Tempos depois, o presidente americano visitou Paris com seu séquito presidencial e foi-lhe noticiado que estavam perto da casa do autor do criador de Jean Valjean e Quasímodo. Grant fez questão de visitá-lo e mandaram avisar o escritor que o presidente estava vindo. Hugo respondeu na lata:
 - Não quero falar com esse sujeito!
 E não o recebeu.

quarta-feira, 25 de março de 2009

REDESCOBRINDO GONÇALVES DIAS

Sempre que  falamos de Gonçalves Dias lembramos inicialmente dele como fundador do nosso Romantismo; depois, é claro, do indianista. Quem nunca ouviu versos como

Não chores , meu filho
que a vida é luta
é luta renhida
que  a vida é um combate
que aos fracos abate
e aos fortes e bravos
só pode exaltar...

ou então

Tu choraste em presença da morte...!" (I-JUCA PIRAMA)

Em terceiro lugar, lembramos do poeta maranhense por sua obra mais conhecida, e com certeza a maior influenciadora da literatura brasileira subsequente, até nossos dias: A "Canção do Exílio".

Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá."

Nenhum poema foi tão adorado e tão copiado. Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu fizeram poemas semelhantes. O autor do Hino Nacional incluiu neste o famoso trecho


Nossos bosques têm mais vida
nossa vida (no teu seio) mais amores...


Depois vieram as paródias. São inúmeras. De Manuel Bandeira a Luís Fernando Veríssimo, sérios ou irônicos:

Paisagens da minha terra,
Onde o rouxinol não canta - 
- Mas que importa o rouxinol?

(Manuel Bandeira, "Sextilhas Românticas")

Minha terra tem Palmeiras
Corinthians, Inter e Fla
Mas pelo que se viu na Argentina
Não jogam mais futebol por lá. 

(Luís Fernando Veríssimo, 1979)

Mas há um Gonçalves Dias curiosamente pouco lembrado: o romântico e sensível de pérolas como "Ainda Uma Vez - Adeus" ou deste maravilhoso "Como Eu Te Amo":

Como se ama o silêncio, a luz, o aroma,
O orvalho numa flor, nos céus a estrela,
No largo mar a sombra de uma vela,
Que lá na extrema do horizonte assoma;

Como se ama o clarão da branca lua,
Da noite na mudez os sons da flauta,
As canções saudosíssimas do nauta, 
Quando em mole vaivém a nau flutua;

Como se ama das aves o gemido,
 Da noite as sombras e do diaas cores,
Um céu com luzes, um jardim com flores,
Um canto quase em lágrimas sumido;

Como se ama o crepúsculo da aurora,
A mansa viração que o bosque ondeia,
O sussurro da fonte que serpeia,
Uma  imagem risonha e sedutora;

Como se ama o calor e a luz querida,
A harmonia, o frescor, os sons, os céus,
Silêncio e cores, e perfume, e vida,
Os pais e a pátria e a vietude e a Deus.

Assim eu te amo, assim; mais do que podem
Dizer-to os lábios meus, - mais do que vale
Cantar a voz do trovador cansada;
O que é belo, o que é justo, santo e grande
Amo em ti - Por tudo quanto sofro,
Por quanto já sofri, por quanto ainda
Me resta de sofrer, por tudo eu te amo.

(O poema, bastante longo, continua...)

O romantismo em Gonçalves Dias é bastante diferenciado dos demais poetas das três gerações românticas. Ele não tem o arrebatamento, a vivacidade e a sensualidade atirada de Castro Alves. Não possui a melancolia, a nostalgia e a musicalidade de Casimiro de Abreu. Nem é cerebral e planejado como Álvares de Azevedo. É simples, despojado, sem muito rebuscado nas palavras, mas artesanamente correto. É por estas razões que ele forma a trindade romântica brasileira preferida do público brasileiro: Gonçalves Dias, Castro Alves e Casimiro de Abreu.





UM ROSTO NA MULTIDÃO...

O popular "man in the crowd", o anônimo, o despercebido, tão analisado pela literatura universal...talvez lhes venha a idéia de um "Blog" a mais.

A princípio, uma confissão: - detesto blogs! São anti-literários, egoístas, visando sempre o autor e nunca o público, "ordenados" em blocos para esconder o que nunca mais se lerá... sem índice remissivo, sem lanterna de guia para o público curioso...Mas estamos em pleno século XXI e nós, escritores e literatos, estamos por baixo, agora no segundo escalão cultural. Sem Editoras, sem espaço público de recitação, como diria Drummond "sem teogonia, sem cachorro no mato". Então...

Este Blog é bífido. De um lado, minha profissão de fé, a Literatura: crônicas, poemas, apreciações, crítica literária e assuntos diversos que são parte de minha existência: música, cinema e muito mais... Do outro, minha segunda baliza, o Evangelho, onde faço a crítica da Igreja atual, tão distante dos princípios bíblicos.

ALEA JACTA EST!


Eurivan