domingo, 22 de novembro de 2009












O ACORDO ORTOGRÁFICO – QUANTO VALE ESTA MOEDA?

Por estes dias reuniu-se na Câmara do Senado a Comissão de Educação, Cultura e Esporte (por que tanta coisa junta numa mesma pasta???) para tratar da possível revisão do Acordo Ortográfico Brasileiro (sim, brasileiro mesmo porque até agora a comunidade dos países lusófonos não mexeu um centímetro sequer na intenção de ratificar este polêmico purgante que nos foi enfiado goela abaixo pelo atual Governo, na esperança de conquistar possíveis simpatias internacionais e aumentar a aura de bonachão do Presidente).

Liderada pela Senadora Marisa Serrano, veterana e conhecida professora de Português, o interessante debate contou ainda em sua bancada com o Professor Ernani Terra, outro nome bastante familiar a todos os que militamos na docência da Língua e da Literatura Brasileira, e com o filólogo Leodegário de Azevedo Amarante Filho, Presidente da Academia Brasileira de Filologia.Esteve presente ainda o Senador Cristovam Buarque.

O clima, obviamente era de oposição e de crítica ao Acordo. Mas o mais interessante foi ver o Professor Leodegário, a quem de direito deveria ser a consulta e a decisão sobre este Acordo espúrio, mercantilista e oportunista, queixar-se de não ter sido a Academia de Filologia sequer consultada. O eminente filólogo deixou claro sua mal-querença com o referido Acordo.

Ora, o professor Leodegário não é pouca coisa; além de Presidente do órgão que tem mais trato com a Lingüística e a Filologia do que a Academia Brasileira de Letras, é o maior especialista em Camões, tanto no Brasil como em Portugal, respeitadíssimo nos dois países. Ele, com uma vida inteira de intenso trânsito entre Brasil e Portugal, melhor do que ninguém conhece as diferenças culturais entre o Brasil e os países signatários do Acordo.

E o Mestre, do alto dos seus 80 anos, fez jus à sua longa carreira e á sua reputação cultural: até agora, até onde eu o saiba, foi o único alto representante da Língua Portuguesa – aqui incluídos filólogos, gramáticos, lingüistas, acadêmicos, professores educadores e docentes - a se opor veementemente ao Acordo. A grande maioria – não é de bom tom citar nomes – vendeu-se para um pouco de fama, com direito a sucessivas entrevistas nas revistas especializadas e programas de televisão, unindo-se aos professores-marqueteiros-teleapresentadores, cujas verdades se resumem a esta, por exemplo: “Eu não concordo muito com o Acordo, mas pra mim ele vai ser ótimo, porque eu vou passar o resto da vida dando palestras sobre isto.” Sem comentários.

Acredito que o Professor Antônio Houaiss, autor e condutor da trajetória do Acordo Ortográfico, tinha boas intenções em relação ao seu projeto original. Doze anos depois de sua morte, o Acordo virou moeda para qualquer coisa espúria.

Quanto à Academia Brasileira de Letras, infelizmente temos que mais uma vez repetir a já clássica boutade de Luís Fernando Veríssimo:

“Aquela sombria gravidade que a gente nota nas fotografias em grupo dos membros da Academia Brasileira de Letras é de reprovação pelo Português ainda estar vivo.”

quarta-feira, 18 de novembro de 2009


BANDEIRA, MUITO ALÉM DA POESIA

Este curioso fato narrado pelo poeta pernambucano, um dos ícones do Modernismo Brasileiro, vem com o propósito de demonstrar uma interessante faceta de Manuel Bandeira: a do escritor preocupado com a preservação da memória e do patrimônio literário brasileiro. Neste ponto, não há, em toda a historiografia da Literatura Brasileira um espírito tão desprendido e tão dedicado em não permitir o precoce esquecimento de escritores de pouca monta ou mal colocados no segundo escalão do terrível cânone brasileiro.

Assim é que, por volta de 1947, ano do centenário de Castro Alves, Bandeira esteve à frente dos trabalhos em homenagem ao vate baiano, trabalhando na reedição de seus livros, como já havia feito com o simbolista Alphonsus de Guimaraens e com o camoniano anti-modernista José Albano. Se hoje Albano é bastante lembrado, querido, revisitado e estudado pela atualidade, o mérito é todo de Bandeira que, em 1938 editou às suas expensas o único livro do poeta cearense, o famoso Rimas de José Albano.

Mas talvez seu trabalho mais notável nesta área de seletas e antologias a que se deu o trabalho de organizar com tanto afinco e perfeição seja a conhecidíssima Apresentação da Poesia Brasileira, um apanhado geral de todas as tendências poéticas até então. Clássico e referencial ainda, não há trabalho similar que se lhe compare em sobriedade e riqueza informativa.

Mas Bandeira foi muito além da poesia brasileira como um todo: aventurou-se no varejo, amiudando-se em todas as escolas poéticas: fez antologias dos poetas parnasianos, simbolistas, modernos e até uma antologia hispano-americana. Fez ainda uma biografia de Gonçalves Dias e uma antologia de Antero de Quental.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009


CASTRO ALVES, ESSE DESCONHECIDO!

Esta história curiosa deu-se nos anos 30 e foi relatada pelo poeta Manuel Bandeira.

João Ribeiro, escritor e filólogo sergipano, foi o autor do famoso Fabordão, leitura obrigatória no ensino colegial do Brasil das primeiras décadas do século XX. Era considerado um modelo perfeito de retórica e correção gramatical, junto com Carlos de Laet, Fausto Barreto e Euclides da Cunha. Está completamente esquecido, lamentavelmente.

Pois este escritor era também juiz de direito e estava lotado na comarca de Pouso Alegre, no interior de Minas. Certa vez recebeu a visita de seu amigo Manuel Bandeira. Estavam os dois no alpendre conversando, quando surge um velhinho de longas barbas brancas, beirando os 100 anos.de idade.O homem, curiosamente, começou a falar dos seus tempos de estudante na Faculdade de Direito de São Paulo e de seus colegas que se tornaram ilustres figuras da República, dentre eles Campos Sales e Rodrigues Alves, que mais tarde tornaram-se presidentes do Brasil.

A conversa tomou um rumo mais imprevisto ainda quando o ancião tentou lembrar-se de um nome esquecido. Reproduzo aqui o trecho como contado por Bandeira:

- Tinha também um moço muito inteligente que fazia versos. Como é que se chamava mesmo?...Esse moço, numa caçada, deu um tiro num pé, voltou para a Bahia e morreu por lá...

- Castro Alves?

- Castro Alves, isso mesmo!

Assim, para o contemporâneo sobrevivente do poeta, Castro Alves era apenas um moço que fazia versos, levou um tiro no pé e voltou para a sua província, onde morreu...

domingo, 15 de novembro de 2009




A INTERNET APÓCRIFA

Com frequência recebemos e-mails contendo mensagens de auto-ajuda, anedotas e outras trivialidades, assinadas por escritores renomados, já falecidos ou ainda vivos. Os mais usuais são Luís Fernando Veríssimo, Fernando Pessoa, Carlos Drummond de Andrade, Rubem Alves e Affonso Romano de Sant’Anna. Há mesmo uma falsa carta de despedida atribuída a Gabriel Garcia Márquez, anunciando sua morte em breve.

Outros texto de menor porte são presumidamente assinados por celebridades midiáticas como a atriz Patrícia Pillar, que conta, nessa carta de mentira, sua luta e sua superação contra a doença que a atingiu.

Há nisso tudo duas questões intrigantes. Em primeiro lugar, o que leva tais pessoas a cometerem este crime de pseudo-mensagens? Sim, porque não deixa de ser um delito esta falsa atribuição de textos vulgares, chulos e muitas vezes até obscenos usando do prestígio ancorado no renome de escritores célebres. Suponho que a razão para isto seja a de atrair para sites pessoais um público que se diga culto e letrado – se os sites não são visitados, morrem em pouco tempo. Sendo assim, porque assinar um texto com o próprio nome, desconhecido do grande público? A circulação através dos e-mails, dando a volta ao mundo e sempre voltando com a mesma mensagem para sua caixa postal auxiliaria nessa perpetuidade.

A segunda questão: porque razão nenhum escritor, seja dos vivos, ou dos já falecidos, devidamente representados por seus herdeiros e espólios, contesta isto e não vem a público para esta confrontação?

Este é um ponto interessante a ser considerado no Marco Regulatório da Internet.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009


...CECÍLIA!

A morte a marcou desde a primeira infância, e foi a morte o grande parâmetro de sua obra, razão pela qual Cecília Meireles reeditou o Simbolismo no Brasil, junto com outros poetas soturnos e ao mesmo tempo imensamente ternos e humanos, como Henriqueta Lisboa e Augusto Frederico Schmidt.

Isto causou profunda indignação em Mário de Andrade, que demonstrou em uma carta célebre toda a sua frustração e todo o seu pesar por ver que as conquistas do Modernismo agora davam lugar a um mundo de poetas preocupados com a solidão, o desencanto e a efemeridade da vida. Até Vinícius de Moraes fez parte desse magote.

Mas a mulher de impressionantes olhos verdes soube ir muito além desse pretenso Simbolismo, fugindo dos chavões dos cultores de Verlaine, Stecchetti e Alphonsus de Guimaraens. Sua poesia foi pontuada de seres fantásticos, borboletas efêmeras, animais encantados, graciosas moças hindus envoltas em seus saris. Como se fosse um grande eufemismo, a dura face da morte foi atenuada por uma ternura sem fim e por uma poesia interrogativa, inquisitiva:

“Em que espelho ficou perdida a minha face?”

Cecília foi uma artista de muitas facetas. Seu nome hoje ainda é referência para o padrão musical clássico brasileiro, e com justeza, pois, em sua poesia, verso e canção estão intimamente entrelaçados. Barcarolas, cançonetas, poesias nitidamente metrificadas e prontas para receber uma possível notação musical:

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Globe-trotter,viajou por todo o planeta, encantando-se com as diferenças culturais. Conheceu o Mahatma, abraçou a cultura indiana, que retratou em Poemas Escritos na Índia. Criativa, renovou o vocabulário poético nacional, ao dar à sua poesia a leveza e a densidade de neologismos como Solombra e Rosicler

A moça que aos 10 anos de idade recebeu das mãos do Príncipe dos Poetas, Olavo Bilac, seu diploma de graduação, não esqueceu das crianças, ela que não teve infância. Criou a primeira biblioteca infantil do país. Escreveu uma singela biografia de Rui Barbosa para os pequenos: RuiPequena História de uma Grande Vida. Compôs poemas infantis que até hoje são muito lembrados: O Último andar, A Bailarina, O Mosquito.

Imensa, diversificada, cromática, instigante, sua obra chega ao ponto máximo em Romanceiro da Inconfidência. A saga dos conspiradores derrotados é um hino à democracia, á liberdade mesmo, um libelo contra todas as intransigências e arbitrariedades:

LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,

Ouve-se em redor da mesa.

E a bandeira já está viva,

e sobe, na noite imensa.

E os seus tristes inventores

já são réus – pois se atreveram

a falar em liberdade

(que ninguém sabe o que seja).