quinta-feira, 25 de novembro de 2010

POEMA DO DIA



JURITI

CASIMIRO DE ABREU








Na minha terra, no bulir do mato,
A juriti suspira;
E como o arrulo dos gentis amores,
São os meus cantos de secretas dores
No chorar da lira.

De tarde a pomba vem gemer sentida
À beira do caminho;
- Talvez perdida na floresta ingente -
A triste geme nessa voz plangente
Saudades do seu ninho.

Sou como a pomba e como as vozes dela
É triste o meu cantar;
- Flor dos trópicos - cá na Europa fria
Eu definho, chorando noite e dia
Saudades do meu lar.

A juriti suspira sobre as folhas secas
Seu canto de saudade;
Hino de angústia, férvido lamento,
Um poema de amor e sentimento
Um grito d'orfandade!

Depois...o caçador chega cantando,
À pomba faz o tiro...
A bala acerta e ela cai de bruços,
E a voz lhe morre nos gentis soluços,
No final suspiro.

E com o o caçador, a morte em breve
Levar-me-à consigo;
E descuidado, no sorrir da vida,
Irei sozinho, a voz desfalecida,
Dormir no meu jazigo.

E - morta - a pomba nunca maia suspira
À beira do caminho;
E como a juriti, - longe dos lares -
Nunca mais chorarei nos meus cantares
Saudades do meu ninho!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

RACHEL DE QUEIROZ, 100 ANOS


Há exatos 100 anos, no dia 17 de novembro de 1910, nascia em Fortaleza, Ceará, a escritora, dramaturga, cronista, tradutora e jornalista Rachel de Queiroz. Mulher de convicções arraigadas e de personalidade forte, sempre teve a primazia nos mais diversos aspectos da literatura brasileira.
Bem nascida, de família tradicional e estabelecida em meio ao "sol inclemente/ que sempre queimou o meu Ceará", como na música de Gordurinha, Rachel era descendente direta do tronco dos Alencar, gente teimosa e de espírito libertário que se opôs aos tiranos e às injustiças políticas de seu tempo, e cujo representante mais ilustre era o filho de Mecejana, José de Alencar, autor de Iracema, O Guarani e As Minas de Prata.
Vinda de estirpe tão ilustre, a jovem Rachel não negou o gênio forte da família e, aos 17 anos inicia-se pelo caminho da literatura; ironicamente, assim como Monteiro Lobato, através de uma carta de protesto enviada a um jornal local de sua cidade natal. Isto foi determinante para a toda a sua vida: a jovem missivista é convidada a trabalhar no próprio jornal, e é o jornalismo que será a paixão de Rachel, sobretudo: "Sempre fui mais jornalista que escritora."
Aos 20 anos, em 1930, publica seu primeiro romance, O Quinze, às expensas dos pais. As facilidades que teve em seu início de carreira não a tornaram fútil: o livro é o primeiro libelo feminino do Brasil contra a seca, a opressão, o desgoverno, a desesperança, as políticas ruins. Abraçava assim, de maneira radical e apaixonada o socialismo e a opção pelo povo sofrido de sua terra e de sua gente. Junto com A Bagaceira, de José Américo de Ameida, Fogo Morto, de José Lins do Rego(paraibanos), Vidas Secas, de Graciliano Ramos (alagoano) e Cacau, de Jorge Amado (baiano), O Quinze compõe o naipe básico do Regionalismo Brasileiro, a denúncia latente do fim da República Velha, da estagnação política e dos primeiros anos de chumbo do Estado Novo de Getúlio Vargas (apesar desta bobagem extrema dos teóricos modernistas e dos tecnocratas educacionais afirmarem que nunca houve este Regionalismo na literatura brasileira, rebatizando-o de "segunda geração modernista"....)
Como profetisa em sua própria terra, o livro foi desdenhado por seus conterrâneos. No sul do país Augusto Frederico Schmidt e Mário de Andrade impressionam-se com o livro. Em pouco tempo O Quinze ganha status de best-seller e Rachel já e uma celebridade literária. Torna-se amiga dos amigos escritores: Graciliano Ramos, Mário Palmério (seu amigo mais dileto) e Manuel Bandeira (que lhe dedicou o famoso poema Louvado para Rachel de Queiroz) serão os seus mosqueteiros pelo resto de sua vida.
Vem a consagração literária, e também as agruras, as birras: em 1932 publica seu segundo livro, João Miguel, que desagrada ao governo por sua abordagem francamente esquerdista(foi uma das fundadoras do Partido Comunista do Ceará, no ano anterior) . É fichada como "agitadora comunista" em Pernambuco. O livro também é censurado pelo próprio Partido, o que ocasiona o rompimento de Rachel. Passa a frequentar os trotskistas.
Em 1937, seu terceiro livro, Caminho de Pedras. Como insinua o título, é o mais sombrio de todos, amargo e nada simpático, escrito em plena ebulição política brasileira, na esteira dos acontecimentos de então: o surgimento do Estado Novo de Vargas, o Levante Comunista da Aliança Integralista ,o fortalecimento das ditaduras na Europa e a iminência do conflito mundial que já se desenhava no horizonte.
A reação do governo foi dura. Vargas mandou queimar em praça pública exemplares do livro, junto com os de seus colegas Graciliano, Lins do Rêgo e Jorge Amado. É presa em Fortaleza, ficando detida durante três meses. Seu primeiro casamento acaba em1939, ano em que publica um de seus livros mais queridos pelo público, As Três Marias. A esta altura já está plenamente integrada no panteão dos escritores de ouro de José Olympio e sua Editora, onde ficará até 1992.
Em 1940 conhece seu segundo marido, o médico Oyama de Macedo, com quem terá uma longa e feliz vida conjugal. Neste mesmo ano, surpreendentemente, rompe de vez com a esquerda brasileira e afasta-se da política.
Então vêm os anos de profunda dedicação ao jornalismo e à crônica. Abandona o gênero ficcional e tem intensa colaboração nos mais diversos e seletos jornais e revistas do país. Foi a época de ouro da crônica brasileira, dos mineiros Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Otto Lara Resende, de Rubem Braga e de Antônio Maria. Notável o trio feminino de cronistas: Rachel de Queiroz, Clarice Lispector e Cecília Meireles. Mas Rachel, fiel à sua veia jornalística, não possuía o subjetivismo ou o lirismo de Clarice e Cecília. Seu estilo de crônica é único: objetivo, profundamente observador, terno, comovido e humano, sem ser dramático ou exagerado sentimentalmente, é um achado de coisas, escrita que se fixa na apreciação de cada ser humano que desfila à sua frente, como em uma de suas melhores crônicas, Natal a Bordo.
Rachel também fez parte de outro time notável: o dos escritores-tradutores, que deram respaldo e solidez às traduções dos grandes romancistas norte-americanos e europeus de então: Pearl S. Buck, John Steinbeck, A.J.Cronin, Axel Munthe e Daphne Du Maurier, dentre outros. Gente como Manuel Bandeira, Mário Quintana, Érico Veríssimo, Moysés Vellinho e Monteiro Lobato (agora também é moda falar mal de Monteiro Lobato como tradutor...) dividia seu tempo entre a criação literária e a tradução de livros.
Em 1953 descobre uma nova paixão: o teatro. Escreve as peças Lampião e A Beata Maria do Egito. Os prêmios se sucedem: O Prêmio Saci de teatro, o Prêmio Machado de Assis (Academia Brasileira de Letras) pelo conjunto de sua obra.
Na década de 60, nova surpresa: apoia seu primo, o Marechal Castelo Branco no golpe militar de 64. Ao visitar Rachel em sua fazenda, em 1967, logo após deixar o governo, Castelo morre em um acidente aéreo, nunca explicado satisfatoriamente, até hoje.
Em 1969, próxima de completar 60 anos, nova guinada: o romance infanto-juvenil(O (Menino Mágico). Em 1975, 36 anos depois de seu último romance ( As Três Marias), retorna ao terreno da ficção, com o romance, Dôra, Doralina.
Dois anos depois Rachel de Queiroz derrubaria o último grande tabu da vida literária brasileira. É eleita a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, no dia 4 de agosto de 1977, na sucessão de Cândido Mota Filho para a cadeira 5, cujo fundador foi o poeta parnasiano Raimundo Correia e que tem como patrono o escritor mineiro Bernardo Guimarães, autor de A Escrava Isaura.
1992: seu último e bastante discutido romance ( a autora desdenhou francamente a adaptação feita para a televisão), Memorial de Maria Moura. Em 1993, como coroação de sua longa carreira, recebe o Prêmio Camões (prêmio que é alternado entre escritores portugueses e brasileiros). Ganha ainda o Prêmio Juca Pato, da União Brasileira de Escritores. Em 1996 ganha o Prêmio Moinho Santista, pelo conjunto de sua obra.
Rachel de Queiroz, que se manteve como atéia até o fim de sua vida, morreu em 4 de novembro de 2003, a duas semanas de completar 93 anos, em sua residência no Leblon (Rio de Janeiro), onde residia há 60 anos.





quinta-feira, 4 de novembro de 2010

POEMA DO DIA


A UM POETA

OLAVO BILAC








Longe do estéril turbilhão da rua,

Beneditino, escreve! No aconchego

Do claustro, na paciência e no sossego,

Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!


Mas que na forma se disfarce o emprego

Do esforço; e a trama viva se construa

De tal modo, que a imagem fique nua,

Rica mas sóbria, como um templo grego.


Não se mostre na fábrica o suplício

Do mestre. E, natural, o efeito agrade,

Sem lembrar os andaimes do edifício:


Porque a Beleza, gêmea da Verdade,

Arte pura, inimiga do artifício,

É a força e a graça na simplicidade.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

MONTEIRO LOBATO E A LUTA CONTRA O FASCISMO



A onda de fascismo e o racismo às avessas que tomaram conta do país há alguns anos começa a se avolumar, fazendo uma vítima ilustre e mais uma vez atingindo a honra do escritor número um do imaginário brasileiro - Monteiro Lobato.
Ao propor censura e moderação no trato com a clássica obra do escritor paulista, o Conselho Nacional de Educação (CNE) mexe com os brios e causa indignação em toda a classe intelectual, literária e artística do Brasil. "Um país se faz com homens e livros" - definitivamente, falta hombridade, senso, justiça e magnanimidade ao alto escalão da Cultura e da Educação brasileiras, com tantos disparates culturais, experimentos educacionais indevidos, mecanismos de avaliação de ensino canhestros e ineficazes e livros didáticos tortuosos e incongruentes, longe da nossa realidade cultural.
Ora, o CNE de uma vez só comete muitos erros em sua deplorável solicitação aos ensinadores do país. Ao alegar racismo e discriminação no nada ingênuo Caçadas de Pedrinho, deveria ter feito o mesmo em todos os seus livros - por toda a parte da epopéia do Sìtio do Picapau Amarelo a personagem de nome Tia Nastácia é chamada de "negra beiçuda" e outros mimos menos delicados. Era o conceito da época, e Lobato, através da parva cozinheira expõe um segmento da realidade sociológica do Brasil: o negro, recém emancipado, atrasado, semi-analfabeto, sem colocação no mercado, ainda preso aos folclores e crendices originários do
caderno de lendas indígenas e africanas. Ou seja, uma versão diferente do Jeca Tatu, o famoso capiau criado por ele para explicar por que o país não conseguia entrar na era do desenvolvimento, 100 anos após sua Independência.
Em segundo lugar, é uma medida inócua. Passados 60 anos de sua morte, a obra de Lobato continua a ser referencial e é pouco provável que os atuais pais e mães, que também vivenciaram as aventuras de Pedrinho, Narizinho e sua turma, imponham tal censura e tal fardo a seus filhos. E, além do mais, as muitas edições da obra de Lobato estão espalhados por bibliotecas, livrarias e sebos de toda a nação, dando livre acesso a quem quer que deseje conhecer melhor o pensamento lobatiano. Como diria Chico Buarque, "como vai proibir/quando o galo insistir em cantar..."
Lobato não era fácil. Homem de gênio azedo, difícil no trato mesmo com os amigos, como se pode verificar em sua vasta correspondência,construiu um império editorial, dando impulso ao hábito da leitura e da escrita no Brasil. Franco e desabusado, opôs-se ao Modernismo e às variantes culturais que então surgiam, o que o estigmatizou durante muito tempo como retrógrado e incoerente.
Então veio o desejo de que o Brasil se tornasse uma nação tão rica e tão próspera quanto seus vizinhos dos Estados Unidos da América. Em visita ao grande país ficou impressionado com o franco progresso daquela nação, balizado pelo petróleo e pelo ferro.No que tentou fazer por aqui, foi preso, processado e sentenciado. Ainda alquebrado pela perda recente de um de seus filhos, recebeu a incompreensão e a ingratidão do governo Vargas, o mesmo que perseguiu e prendeu Graciliano Ramos , Rachel de Queiroz, Dalcídio Jurandir, Eneida e Nise da Silveira.
A boneca Emília, que praticamente ofuscou e colocou como secundárias todas as demais personagens de sua vasta obra infantil, é o seu porta-voz. Desbocada, malcriada, insolente e questionadora, põe em cheque todos os conceitos culturais e sociais do Brasil e do mundo até então vigentes. No traço original de André Le Blanc e de J. Ulisses, é feia, desgraciosa, magra e mal vestida. A série de televisão da emissora que pertence ao conglomerado que detém sobre a obra de Lobato os direitos autorais e de imagem, a remodelou, colorindo-a, colocou-lhe um batom, tornando-a mais feminina e, finalmente quebrou as garras do felino, tornando-a uma personagem pateta e sem carisma, quase uma anedota. É mais uma forma de censura sobre a obra do maior escritor infantil brasileiro.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

POEMA DO DIA











O ACENDEDOR DE LAMPIÕES

(JORGE DE LIMA)


Lá vem o acendedor de lampiões da rua!

Este mesmo que vem infatigavelmente

Parodiar o sol e associar-se à lua

Quando a sombra da noite enegrece o poente!


Um, dois, três lampiões, acende e continua

Outros mais a acender imperturbavelmente,

À medida que a noite aos poucos se acentua

E a palidez da lua apenas se pressente.


Triste ironia atroz que o senso humano irrita: -

Ele que doira a noite e ilumina a cidade,

Talvez não tenha luz na choupana em que habita.


Tanta gente também nos outros insinua

Crenças, religiões, amor, felicidade,

Como este acendedor de lampiões da rua!

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

"ESCREVE, BENEDITINO, ESCREVE..."



Todas as vezes que inicio uma turma nova explano para os meus alunos vicissitudes, virtudes, proveitos, maravilhas e pesares deste ofício que é a arte de escrever. Por que se escreve, a que se destina nosso pensamento grafemizado, as manias e exotismos de alguns mestres da criação literária, histórias curiosas sobre o processo da escrita. Aqui vão alguns testemunhos pessoais sobre essa tal de escrita. Por que você escreve, caro escritor?

JOÃO CABRAL DE MELO NETO: 'Escrever é estar no extremo de si mesmo."

MARQUES REBÊLO: "Escrever é cortar." (minha frase preferida)

DRYDEN: "Aprende a escrever bem ou a não escrever de todo."

MÁRIO QUINTANA: DA PREOCUPAÇÃO DE ESCREVER/ Escrever...Mas por que? Por vaidade, está visto... / Pura vaidade, escrever! /Pegar da pena...Olhai, que graça terá isto, / Se já se sabe tudo o que se vai dizer!"

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE: "Escritor: não somente certa maneira especial de ver as coisas, senão também impossibilidade de vê-las de qualquer outra maneira."

LYGIA FAGUNDES TELLES: "Testemunhar o seu tempo - respondi a um jovem que me perguntou qual a função do escritor."

MAURIAC: "Um escritor é essencialmente um homem que não se resigna à solidão. Cada um de nós é um deserto."

E, para finalizar, o tocante testemunho do contador de histórias por excelência, Érico Veríssimo:

"Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado a ideia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades e injustiças como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto."

sábado, 30 de outubro de 2010



POEMA DO DIA

HÃO DE CHORAR POR ELA OS CINAMOMOS...

(ALPHONSUS DE GUIMARAENS)


Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão: - "Ai! nada somos,
Pois ela se morreu, silente e fria..."
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos...
E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?"


sexta-feira, 29 de outubro de 2010


RESENHANDO

À BEIRA DO TEU CORPO


Entre Eros e Tanathos, pulsão de vida e pulsão de morte, os gregos criaram os extremos da arte poética: a Ode e a Elegia.
A Ode, gênero clássico de verso mais livre, amplamente empregado tanto no período Clássico como no Romantismo, é uma poesia para louvar os feitos heróicos ou para cultuar grandes vultos históricos ou políticos. Já a Elegia, menos comum, é um canto fúnebre, onde se carpe o herói ou a presença querida que partiu.
A poesia brasileira registra notáveis exemplos de elegia, como A Meu Pai Morto, de Augusto dos Anjos, Cântico do Calvário, de Fagundes Varela (dedicado a seu filho Emiliano, morto aos 11 anos de idade), além do belíssimo A Carolina, de Machado de Assis.
O poeta goiano Afonso Félix de Sousa (1925-2002), um dos mais sensíveis representantes da Geração de 45, nos legou este tocante À Beira do teu Corpo, um acerto de contas com o filho morto, poemas de extrema beleza. Transcrevemos aqui o poema-título:


À beira do teu corpo

I

À beira de teu corpo eu busco, e alcanço-a, e agarrro-a,
a mão que, de onde estás, já não me estendes, a mão
que em criança, com toda a confiança, me estendias.

E então, de mãos dadas, saíamos pelo mundo
com que te deslumbravas e eu ia aos poucos
tentando explicar, a ti que o contemplavas
com os olhos arregalados, e o colorias
a teu modo, com tintas próprias, e te soltavas
de mim, e nele mergulhavas, e dele me estendias
de novo a mão como se quisesses conduzir-me
para o avesso de mim, ou para a fuga
de um mundo que nos deslumbra e se desdobra
em paisagens de dor, quando explicado.





domingo, 24 de outubro de 2010



POEMA DO DIA

ÁGUA CORRENTE

(OLEGÁRIO MARIANO)

Água corrente! Água de um rio quieto
cortando a alma ignorada do sertão!
Levas à tona, aspecto por aspecto,
os aspectos da vida em refração.

Água que passa...Sonho predileto
do campônio que lavra o duro chão,
trazes-me sempre a evocação de um teto...
Água! Sangue da Terra! Religião...

Há na tua bondade humana e leal,
quando a roda maior moves do Engenho,
qualquer bafejo sobrenatural...

Ouvindo, ao longe, o teu magoado som,
água corrente! eu me enterneço e tenho
uma imensa vontade de ser bom...

VARGAS LLOSA, ENFIM O RECONHECIMENTO


O mundo da Literatura acordou mais feliz no dia 7 de outubro. Depois de muitas nominações enfim a Academia Sueca premiou o escritor peruano Mario Vargas Llosa com o Prêmio Nobel de Literatura 2010. Foi um reconhecimento demorado e tardio, mas justo, embora cercado de uma certa polêmica pela atual posição política do agora laureado autor de Conversa na Catedral, Tia Júlia e o Escrevinhador e A Guerra do Fim do Mundo.

Vargas Llosa, que já foi ídolo da esquerda ao lado do outro grande nome da literatura hispano-americana, Gabriel Garcia Márquez, é visto agora com olhos críticos que parecem esquecer que, em Literatura não há direita nem esquerda - há apenas Literatura. Há mesmo escritores assumidamente fascistas como Louis-Ferdinand Céline, Montherlant e Péguy cujos escritos são amplamente estudados e discutidos, considerados mesmo como de grande qualidade.

É curioso como o Peru, sendo uma nação tão diminuta, tenha produzido uma literatura tão excelente e tão diversificada. A Argentina de Borges, Bioy Casares e Julio Cortázar e o México de Octavio Paz e Amado Nervo são os países hispano-americanos com maior representatividade. A Colômbia nos deu Garcia Márquez, do Chile vieram Pablo Neruda e Gabriela Mistral, outra laureada com o Nobel de Literatura. A Nicarágua é a pátria de Ruben Dario, a excelência da poesia latino-americana.

Ora, além do agora laureado Vargas Llosa, os peruanos devem orgulhar-se, e muito, da literatura de Manuel Scorza e este excelente Garabombo, o Invisível. Ainda temos Ricardo Palma e suas Tradições Peruanas, o discutidíssimo Horacio Quiroga e o curioso Sofocleto com seu anedotário de nome Sinlogismos.



terça-feira, 12 de outubro de 2010



POEMA DO DIA

ESPUMAS DO MAR...

(MANUEL BANDEIRA)


O rei atirou
Seu anel ao mar
E disse às sereias:
- Ide-o lá buscar
Que se não o trouxerdes,
Virareis espuma
Das ondas do mar!

Foram as sereias,
Não tardou voltaram
Com o perdido anel.
Maldito o capricho
De um rei tão cruel!

O rei atirou
Grãos de arroz ao mar
E disse às sereias:
- Ide-os lá buscar
Que se não o trouxerdes
Virareis espuma
Das ondas do mar!

Foram as sereias,
Não tardou, voltaram,
Não faltava nem um grão.
Maldito o capricho
Do meu coração!

O rei atirou
Sua filha ao mar
E disse às sereias:
- Ide-a lá buscar,
Que se não a trouxerdes,
Virareis espuma
Das ondas do mar!

Foram as sereias...
Quem as viu voltar?
Não voltaram nunca!
Viraram espuma
Das ondas do mar.



quarta-feira, 5 de maio de 2010


RESENHANDO


A partir de hoje passo a publicar resenhas literárias e indicações de obras essenciais da Literatura Brasileira, procurando dar destaque em especial a autores menores, lamentavelmente esquecidos pela crítica, pela mídia e pelo público, ou possuidores de uma obra menor e menos conhecida.

Alternarei estes comentários com perfis de escritores que precisam – e merecem – ser resgatados do esquecimento.


1 – À BEIRA DO CORPO

Autor: Walmir Ayala

9ª Edição. Belo Horizonte, 2007.

Editora Leitura.

Baseado em uma história que o próprio autor vivenciou, o romance passa-se na idílica cidadezinha gaúcha de Vila Nova, com seus pessegueiros e sua natureza em flor. Mas, como afirma o poeta Ledo Ivo na orelha do livro, este bucolismo “não tem o poder de datar a narrativa. Apenas a situa.” O trágico amor de Bianca e do Tenente Sebastião é narrado com passionalidade e baseado no princípio bíblico da perda da pureza e do pecado original. Felonia, vingança pessoal e uma profunda reflexão sobre a natureza da transgressão marcam este livro.

Sendo seu autor um dos mais expressivos poetas surgidos nos anos 50, é de observar-se que este À Beira do Corpo não segue a linha tradicional do romance brasileiro, ou seja, o objetivo acaba por dar lugar ao subjetivo. Ficção e lirismo se conjugam ao final desta trágica narrativa, o que pode causar estranheza aos leitores habituados ao molde tradicional da ficção brasileira. Esta é uma tendência curiosa que passou a vigorar a partir de autores como Cornélio Pena e Lúcio Cardoso, como também observa Ledo Ivo.