sexta-feira, 30 de setembro de 2011

A NATUREZA E O HOMEM NA LITERATURA BRASILEIRA



COMENTÁRIOS AO LIVRO

II - APRESENTAÇÃO (páginas 7-10)

M.CAVALCANTI PROENÇA, O CRÍTICO QUE AMAVA O BRASIL

Nascido em Cuiabá (MT) em 15 de julho de 1905 e falecido em 15 de dezembro de 1966 (no mesmo dia da morte de Walt Disney) M. (Manuel) Cavalcanti Proença fez a diferença na crítica especializada brasileira entre os anos 40 e 60.
Como apontei nestas páginas iniciais, as terras do Mato Grosso (hoje divididas em dois Estados) foram pródigas em fornecer uma literatura muito interessante, entre a aventura e a busca do conhecimento científico. Literatura essa em termos documentais, como é o caso da Retirada da Laguna, do Visconde de Taunay, sobre uma amarga derrota brasileira na Guerra do Paraguai.
Ou em termos ficcionais, como fez Menotti Del Picchia em A Filha do Inca (obra que teve em sua primeira edição o título de República 3000, depois modificado para não haver conotações políticas), livro pioneiro da ficção científica no Brasil. Ou ainda Inocência, do mesmo Taunay, obra-base de nosso estudo neste livro.

A CRÍTICA LITERÁRIA BRASILEIRA orgulhosamente ostenta seu brasão de 3 resplandecentes AAA: Afrânio Coutinho, Antônio Cândido e Alfredo Bosi, a tríade referencial para o saber acadêmico (alguém há de querer fazer adendos: Antônio Houaiss, Afrânio Peixoto...)
Mas, apesar dos méritos de sobra da nossa prata acadêmica acima citada, há que se fazer justiça a M.Cavalcanti Proença. Escolhendo um caminho alternativo, mais próximo do público leigo do que do erudito, seus escritos tendem para uma conversação franca e aberta sobre as coisas do interior brasileiro, sobre o homem campesino, sobre a exuberância da natureza do interior do país. Militar de carreira, Proença debruçou-se sobre a vida e a obra de quatro ícones nacionais de nossas letras, perfeitos e acabados retratos de nossa essência: José de Alencar, Augusto dos Anjos, Mário de Andrade e Guimarães Rosa.
E eis aqui um dado admirável do autor de Manuscrito Holandês: ao contrário da quase totalidade dos críticos literários brasileiros, não optou por fechar com esta ou aquela corrente, seja Romântica ou Modernista; para ele, o nativismo estava acima de tudo. O mesmo poderíamos dizer de Afrânio Coutinho, cujo universo crítico ascende do nacional para o universal.
Poderíamos então afirmar ser Proença um retratista do Brasil, na mesma linha de investigação de Capistrano de Abreu, Paulo Prado e Alberto Rangel, só para citarmos alguns.

MACUNAÍMA

Livro que por si só é um tratado sobre a alma brasileira, em muitos aspectos, com seu jeito de rapsódia, Macunaíma (1928 ), de Mário de Andrade possui uma enorme fortuna crítica, só comparável à de Dom Casmurro, de Machado de Assis, ou Os Sertões, de Euclides da Cunha. Mas dois livros se destacam dos demais, ombreando lado a lado: Morfologia do Macunaíma, do poeta concretista Haroldo de Campos (1929-2003) e Roteiro de Macunaíma, de M. Cavalcanti Proença. Analítico, exegeta, minucioso, este último é um passo-a-passo para se entender a gênese, as variações e as muitas vidas do anti-herói criado pelo líder modernista.

A BAGACEIRA


Duas grandes ironias unem Macunaíma, de Mário de Andrade, e A Bagaceira, de José Américo de Almeida. Lançados no mesmo ano (1928) fundaram correntes diferentes do Modernismo brasileiro, sendo a obra do paraibano considerada o marco inicial do Regionalismo. Correntes diferentes, seguidores ainda mais adversos. Boa parte do corpus da crítica literária brasileira ainda hoje costuma esnobar a importância histórica de A Bagaceira para enaltecer as peripécias de Macunaíma, "herói de nossa gente". Não foi o caso de Proença, que debruçou-se sobre as duas obras, com louvor. Para o livro de José Américo fez um estudo clássico prefacial de aproximadamente 50 páginas, na famosa edição da Livraria José Olympio Editora.


A SUAVE PANTERA



MARLY DE OLIVEIRA













É suave, suave, a pantera,
mas se a quiserem tocar
sem a devida cautela,
logo a verão transformada
na fera que há dentro dela.
O dente de mais marfim
na negrura mais alerta,
e de ser de princípio a fim
a pantera sem reservas,
o fervor, a força lúdica
da unha longa e descoberta,
o êxtase de sua fúria
sob o melindre que a fera,
em repouso, se a não tocam,
como que tem na singela
forma que não se alvoroça
por si só, antes parece,
na mansa, mansa e lustrosa
pelúcia com que se adorna,
uma viva, intensa jóia.



CHOVE NOS CAMPOS DE CACHOEIRA



DALCÍDIO JURANDIR











Voltou muito cansado. Os campos o levaram para longe. O caroço de tucumã o levara também. aquele caroço que soubera escolher entre muitos no tanque embaixo do chalé. Quando voltou já era bem tarde. A tarde sem chuva em Cachoeira lhe dá um desejo de se embrulhar na rede e ficar sossegado como quem está feliz por esperar a morte.

O menino Alfredo é inteligente, sensível e tristonho. Solidário com os dramas públicos de sua família sonha uma vida melhor, onde todos possam viver com mais dignidade. Deseja estudar na cidade grande para, assim, ser um diferencial entre os seus. Mas é difícil romper com as limitações de Cachoeira, cidadezinha às margens do Arari. Extrema pobreza, carestia, doença, incompreensão social e abandono político, aliados à uma natureza quase selvagem marcam o cotidiano desta população na Ilha de Marajó, Estado do Pará. A época: os anos 30.
Desiludido, Alfredo refugia-se em uma singela fantasia: o tucumã, fruto nativo da região, e um dos símbolos da cultura paraense, possui um caroço liso e escorregadio como sabão. O dia inteiro fazendo o caroço deslizar para cima e para baixo, Alfredo cria , desta maneira, sua própria lâmpada de Aladim. Assim prossegue a vida em meio ao horizonte cinzento de Cachoeira: a doença de Eutanázio, as inventividades do Major Alberto, os desmandos políticos da época.

Um dos escritores mais perseguidos pelo regime político do Estado Novo, Dalcídio Jurandir (1909-1979) como suas personagens, teve as mesmas dificuldades no começo de sua vida, passando por muitos subempregos, até ingressar no jornalismo e, posteriormente, no serviço público. Abraçando o socialismo, fez parte de um grupo ilustre de detidos pelo regime de Vargas: Rachel de Queiroz, Nise da Silveira, Graciliano Ramos e Eneida. Seu amigo Jorge Amado, que teve livros queimados pelo mesmo regime, foi quem lhe fez o discurso de saudação na Academia Brasileira de Letras, em 1972, quando recebeu o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra. Nos últimos anos a importância deste escritor paraense tem sido revisitada, havendo um grande interesse por sua obra.
Após Chove nos Campos de Cachoeira, publicado em 1940, a saga de Alfredo e de sua gente prossegue nos livros seguintes de Dalcídio: Marajó (sua obra prima), Três Casas e um Rio e Belém do Grão Pará.



quinta-feira, 29 de setembro de 2011

SONETO DA PRECARIEDADE AMOROSA


LÊDO IVO
















Fruto do passageiro, o amor terreno
mais sofre acrescentado ao permanente.
Melhor fora voasse , se é pequeno
o engaste em que se encrava o seu presente.

Intimidade surta de um aceno,
o amor foge ao consumo do inerente,
e em nós inoculado sem veneno
só fica quando passa brevemente.

Amor que emigra, sombra de imprevista
clareza, a solidão não se imagina
presa ao encanto do desancantado.

Entre o amor ido e estar amando, dista
o estar sozinho que não se confina
entre ir amar um dia e ter amado.

A NATUREZA E O HOMEM NA LITERATURA BRASILEIRA


COMENTÁRIOS

Queridos Leitores,

A partir de hoje, passo a comentar neste blog o meu livro "A Natureza e o Homem na Literatura Brasileira". Intercalando os comentários com a seleção de poemas que venho publicando todos estes meses e com os artigos diversos - resenhas e biografias - pretendo, assim, aproximar mais tanto o público leigo quanto o acadêmico da Literatura Brasileira. Esta é a essência de meu trabalho. A meu ver, desde os anos 70, a crítica literária e a inteligentsia acadêmica dos campi do país fecharam-se em uma concha um hermetismo estéril e vazio que acabou por afastar os leitores menos abalizados de nossa literatura nativa. Isto se reflete em muitos setores de nossa cultura, especialmente no nosso precário sistema educacional.
Por esta razão escolhi como patrono desta empreitada a figura de M. Cavalcanti Proença, um homem que amava acima de tudo a Literatura Brasileira e que deu primazia, em seus escritos, à perfeita (ou imperfeita) interação entre o homem brasileiro e a natureza que o circunda, fascínio que vem desde os primeiros cronistas do Descobrimento e que ainda segue nos dias de hoje, terminados os períodos áureos da Literatura.
Talvez alguns cheguem a julgar meu livro como integrante de uma linha ufanista. Se assim for, serei uma estrela desgarrada, remanescente temporão de uma época na qual o altruísmo, o amor pelas coisas pátrias estava na ordem do dia. O nativismo de José de Alencar, a pesquisa minuciosa do folclore em Mário de Andrade, o Movimento Verde e Amarelo do Modernismo, a Aquarela do Brasil, a música de Augusto Calheiros, o cinema da Atlântida e a Bossa Nova são variantes do mesmo exagero pátrio perpetrado pelo Conde de Afonso Celso no seu polêmico e hoje esquecido Por Que Me Ufano do Meu País.
No entanto, minha real intenção era revelar ao dois públicos, o indouto e o culto, alguns aspectos importantes no que toca à questão da natureza brasileira como vista pelos primeiros nacionais. Embora sejam bastante conhecidas e exploradas a questão da natureza como opção de fuga para o poeta citadino, recorrência do Arcadismo, embora o amor pelo primitivo e pelo selvagem em Gonçalves Dias, Casimiro de Abreu e Alencar ainda toquem fundo no coração do povo simples do Brasil hodierno, ainda há algo que precisa ser dito.
Procurei enfatizar dois aspectos pouco explorados pela crítica literária brasileira. A questão da sacralidade, da natureza vista pelos Românticos do século XX como presente de Deus para o homem e como coisa a ser temida e preservada, é uma delas. A outra é a real intenção da natureza para o homem: bela, selvagem, majestosa, esplêndida, deslumbrante - nenhuma natureza igual à nossa! - mas, na verdade, convidativa, surpreendente, ambígua, cruel, trágica.