quarta-feira, 20 de março de 2013

 

MEDIEVALISMO E MODERNIDADE DE DANTE, SEGUNDO OTTO MARIA CARPEAUX


Interessante estudo fez o crítico Otto Maria Carpeaux, um dos maiores estudiosos da obra de Dante Alighieri, para a edição da Divina Comédia de 1955 (Editora Calçadense, SP, tradução de José Pedro Xavier Pinheiro).

Segundo Carpeaux, o próprio Dante teria afirmado no Convivio, que o seu poema, hoje matriz  referencial de toda a produção poética da humanidade, teria quatro linhas de interpretação, quatro sentidos: o literal, o alegórico, o moral e o anagógico ou místico.

"Não conseguiremos separar perfeitamente os 'quatro sentidos' que nos parecem muito entrelaçados. Contudo, é um roteiro, talvez capaz de orientar-nos na 'selva oscura' (Inferno, 1,2). 

É preciso entender a posição de Dante em relação a seu tempo e mesmo as posições contrárias à sua obra, para se entender a questão do alegórico e do místico. "...que tem de dizer a nós, homens modernos, - indaga-se o crítico suíço - esse poeta morto há mais de seiscentos anos, esse homem medieval?"

Ao longo desse extenso estudo, o autor vai ele mesmo respondendo: "Dante é, não podemos eliminar o fato, o poeta máximo de uma época remota." "Dante é o primeiro poeta dessas literaturas (medievais) que até hoje continua lido." Citado no ensaio, De Sanctis achava ser Dante "o último homem medieval".

Contudo, Carpeaux refuta algumas posições acerca do poeta florentino.

FILOSOFIA, RAZÃO, FÉ, ORTODOXIA

"O Infinito é Deus. Dante é ortodoxo." Segundo o ensaísta, Alighieri estaria alinhado mais com o misticismo de Agostinho do que com o tomismo de Aquino. Mas alguns atribuiriam ao vate italiano "um racionalismo quase moderno", o que seria um erro.

"De importância é o fato de Dante ter construído sua obra conforme as linhas-mestras da filosofia escolástica aristotélico-tomista."

UM REINO ALEGÓRICO

Os animais que se opõem veementemente à entrada de Dante na descida para o Inferno, a visão de Beatriz transfigurada em outra...alegorias inspiradas por um "ideal político obsoleto."
Apesar desta última e ácida crítica, Carpeaux ressalta a qualidade do satírico em Dante, aspecto mal considerado pela crítica em geral. Comparando-o a outros sátiros clássicos, como Juvenal, Swift e Gogol, diz que "Dante é o maior entre eles."

Outra interessante refutação acerca do autor da Vida Nova,  encontra-se quase ao final do ensaio, quando o crítico afirma, corajosamente, a sua atualidade e modernidade :


"Mas Dante não é poeta romântico e não escreveu só para leitores e leitoras emocionados do século passado..."