PATRONO DA CULTURA NACIONAL, cuja data se comemora a 5 de novembro (data de seu nascimento), Rui Barbosa (1849-1923) ainda é um dos brasileiros mais estimados e de memória mais respeitada, com uma vasta obra exemplar que sobreviveu aos ataques do Modernismo, ao contrário da maioria de seus contemporãneos.
Na verdade, Rui faz parte de um seleto grupo de ilustres brasileiros que ainda são muito queridos, não apenas por suas obras e feitos, como por sua própria pessoa; vida e obra se entrelaçam. Se considerarmos os nascidos ou atuantes até o fim da República Velha, seriam estes: Tiradentes, o Mártir da Independência, Castro Alves, Olavo Bilac, Machado de Assis, Rui Barbosa, Santos Dumont e Monteiro Lobato. Num segundo plano teríamos vultos como José de Alencar, Osvaldo Cruz e Euclides da Cunha, mais lembrados por suas obras do que por suas vidas, cercadas de uma certa polêmica.
No entanto, apesar do prestígio que ainda goza, a imagem de Rui para alguns é sinônimo de antipatia, palavreado e empolação. Parte disto se deve aos seus cultores, incapazes de traduzir corretamente para as novas gerações a importância do grande jurista baiano. E parte da culpa também é de seus próprios contemporâneos, que o hiperbolizaram como bobagens retóricas do tipo "A Águia de Haia", epíteto fácil de achar nos textos, discursos e poemas de todo o país durante muito tempo. Um exemplo disto era Monteiro Lobato, sempre chegado a exageros prós e contras. Em carta a Godofredo Rangel, ele dizia: "Que cetáceo este Rui, neste nosso mar de arenques!" Afinal de contas, estava-se na época do Conde Afonso Celso, aquele do Porque Me Ufano do Meu País...
Tanta predileção, de seus pares e do povo, não serviu, no entanto, para que o autor de Oração aos Moços atingisse seu supremo ideal na vida: a Presidência da República. Ministro da Justiça e Ministro das Finanças em governos diferentes, Rui cometeu erros primários,em detrimento da verdade e da justiça; jurista acima de tudo, colocava a moça de olhos vendados numa posição inatingível, esquecendo-se um pouco de ser mesmo cordial e correto. Foi assim que, após militar na linha de frente abolicionista com muita bravura, passou-se para o lado dos derrotados, os fazendeiros e latifundiários, logo após o 13 de Maio. Esta mudança de atitude lhe trouxe um terrível adversário, o jornalista e abolicionista José do Patrocínio, que o atacou duramente. A Rui se atribui também o início da nossa má política financeira, na criação de uma praga nacional, o lastro, de onde se derivou a inflação que nos corrói até hoje.
Mas, polêmicas à parte, Rui ainda merece ser lido; e há facetas suas pouco conhecidas. Uma delas é a ironia quase beirando o sarcasmo, presente em diversos textos seus que fazem a crítica sobre os males que assolavam o país de então:
Sobre a mania dos políticos de mudarem o nome das ruas, praga até hoje bastante renitente:
O NOME DAS RUAS
Quando sucede aos nossos conselheiros municipais disporem de algum tempo que lhes deixa vago a sua vasta clientela, amadores incorrigíveis de concessões, privilégios, favores, sinecuras e doçuras análogas, habitualmente eles o empregam, divertindo-se em mudar os nomes das ruas...
...Tiram e põem, retiram e repõem as placas das ruas com a presteza, a facilidade de pregador de cartazes que a um anúncio velho sobrepõe um novo...
Sobre o abuso policial:
SUA MAJESTADE A POLÍCIA
Agora, se querem conhecer em matéria de escrupúlos de ordem, em matéria de delicadeza administrativa, os costumes daquilo, é perguntarem aos detidos pela conta que, ao saírem do xadrez, se lhes dá dos valores arrecadados ao entrar; é inquirirem dos teatros e estabelecimentos de diversões públicas o número de vistorias inúteis e dispendiosas, com que se vêem repetidamente fintados...