sexta-feira, 29 de outubro de 2010


RESENHANDO

À BEIRA DO TEU CORPO


Entre Eros e Tanathos, pulsão de vida e pulsão de morte, os gregos criaram os extremos da arte poética: a Ode e a Elegia.
A Ode, gênero clássico de verso mais livre, amplamente empregado tanto no período Clássico como no Romantismo, é uma poesia para louvar os feitos heróicos ou para cultuar grandes vultos históricos ou políticos. Já a Elegia, menos comum, é um canto fúnebre, onde se carpe o herói ou a presença querida que partiu.
A poesia brasileira registra notáveis exemplos de elegia, como A Meu Pai Morto, de Augusto dos Anjos, Cântico do Calvário, de Fagundes Varela (dedicado a seu filho Emiliano, morto aos 11 anos de idade), além do belíssimo A Carolina, de Machado de Assis.
O poeta goiano Afonso Félix de Sousa (1925-2002), um dos mais sensíveis representantes da Geração de 45, nos legou este tocante À Beira do teu Corpo, um acerto de contas com o filho morto, poemas de extrema beleza. Transcrevemos aqui o poema-título:


À beira do teu corpo

I

À beira de teu corpo eu busco, e alcanço-a, e agarrro-a,
a mão que, de onde estás, já não me estendes, a mão
que em criança, com toda a confiança, me estendias.

E então, de mãos dadas, saíamos pelo mundo
com que te deslumbravas e eu ia aos poucos
tentando explicar, a ti que o contemplavas
com os olhos arregalados, e o colorias
a teu modo, com tintas próprias, e te soltavas
de mim, e nele mergulhavas, e dele me estendias
de novo a mão como se quisesses conduzir-me
para o avesso de mim, ou para a fuga
de um mundo que nos deslumbra e se desdobra
em paisagens de dor, quando explicado.





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