sexta-feira, 6 de novembro de 2009


...CECÍLIA!

A morte a marcou desde a primeira infância, e foi a morte o grande parâmetro de sua obra, razão pela qual Cecília Meireles reeditou o Simbolismo no Brasil, junto com outros poetas soturnos e ao mesmo tempo imensamente ternos e humanos, como Henriqueta Lisboa e Augusto Frederico Schmidt.

Isto causou profunda indignação em Mário de Andrade, que demonstrou em uma carta célebre toda a sua frustração e todo o seu pesar por ver que as conquistas do Modernismo agora davam lugar a um mundo de poetas preocupados com a solidão, o desencanto e a efemeridade da vida. Até Vinícius de Moraes fez parte desse magote.

Mas a mulher de impressionantes olhos verdes soube ir muito além desse pretenso Simbolismo, fugindo dos chavões dos cultores de Verlaine, Stecchetti e Alphonsus de Guimaraens. Sua poesia foi pontuada de seres fantásticos, borboletas efêmeras, animais encantados, graciosas moças hindus envoltas em seus saris. Como se fosse um grande eufemismo, a dura face da morte foi atenuada por uma ternura sem fim e por uma poesia interrogativa, inquisitiva:

“Em que espelho ficou perdida a minha face?”

Cecília foi uma artista de muitas facetas. Seu nome hoje ainda é referência para o padrão musical clássico brasileiro, e com justeza, pois, em sua poesia, verso e canção estão intimamente entrelaçados. Barcarolas, cançonetas, poesias nitidamente metrificadas e prontas para receber uma possível notação musical:

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Globe-trotter,viajou por todo o planeta, encantando-se com as diferenças culturais. Conheceu o Mahatma, abraçou a cultura indiana, que retratou em Poemas Escritos na Índia. Criativa, renovou o vocabulário poético nacional, ao dar à sua poesia a leveza e a densidade de neologismos como Solombra e Rosicler

A moça que aos 10 anos de idade recebeu das mãos do Príncipe dos Poetas, Olavo Bilac, seu diploma de graduação, não esqueceu das crianças, ela que não teve infância. Criou a primeira biblioteca infantil do país. Escreveu uma singela biografia de Rui Barbosa para os pequenos: RuiPequena História de uma Grande Vida. Compôs poemas infantis que até hoje são muito lembrados: O Último andar, A Bailarina, O Mosquito.

Imensa, diversificada, cromática, instigante, sua obra chega ao ponto máximo em Romanceiro da Inconfidência. A saga dos conspiradores derrotados é um hino à democracia, á liberdade mesmo, um libelo contra todas as intransigências e arbitrariedades:

LIBERDADE, AINDA QUE TARDE,

Ouve-se em redor da mesa.

E a bandeira já está viva,

e sobe, na noite imensa.

E os seus tristes inventores

já são réus – pois se atreveram

a falar em liberdade

(que ninguém sabe o que seja).

Um comentário:

  1. Realmente, algumas pessoas tem o dom de moldar as letras em palavras e estas tricotadas em frases que nos elevam o espírito. Cecilia é uma delas...

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