DALCÍDIO JURANDIR
Voltou muito cansado. Os campos o levaram para longe. O caroço de tucumã o levara também. aquele caroço que soubera escolher entre muitos no tanque embaixo do chalé. Quando voltou já era bem tarde. A tarde sem chuva em Cachoeira lhe dá um desejo de se embrulhar na rede e ficar sossegado como quem está feliz por esperar a morte.
O menino Alfredo é inteligente, sensível e tristonho. Solidário com os dramas públicos de sua família sonha uma vida melhor, onde todos possam viver com mais dignidade. Deseja estudar na cidade grande para, assim, ser um diferencial entre os seus. Mas é difícil romper com as limitações de Cachoeira, cidadezinha às margens do Arari. Extrema pobreza, carestia, doença, incompreensão social e abandono político, aliados à uma natureza quase selvagem marcam o cotidiano desta população na Ilha de Marajó, Estado do Pará. A época: os anos 30.
Desiludido, Alfredo refugia-se em uma singela fantasia: o tucumã, fruto nativo da região, e um dos símbolos da cultura paraense, possui um caroço liso e escorregadio como sabão. O dia inteiro fazendo o caroço deslizar para cima e para baixo, Alfredo cria , desta maneira, sua própria lâmpada de Aladim. Assim prossegue a vida em meio ao horizonte cinzento de Cachoeira: a doença de Eutanázio, as inventividades do Major Alberto, os desmandos políticos da época.
Um dos escritores mais perseguidos pelo regime político do Estado Novo, Dalcídio Jurandir (1909-1979) como suas personagens, teve as mesmas dificuldades no começo de sua vida, passando por muitos subempregos, até ingressar no jornalismo e, posteriormente, no serviço público. Abraçando o socialismo, fez parte de um grupo ilustre de detidos pelo regime de Vargas: Rachel de Queiroz, Nise da Silveira, Graciliano Ramos e Eneida. Seu amigo Jorge Amado, que teve livros queimados pelo mesmo regime, foi quem lhe fez o discurso de saudação na Academia Brasileira de Letras, em 1972, quando recebeu o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra. Nos últimos anos a importância deste escritor paraense tem sido revisitada, havendo um grande interesse por sua obra.
Após Chove nos Campos de Cachoeira, publicado em 1940, a saga de Alfredo e de sua gente prossegue nos livros seguintes de Dalcídio: Marajó (sua obra prima), Três Casas e um Rio e Belém do Grão Pará.
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