quinta-feira, 23 de abril de 2009

ATENÇÃO, MULHERES!



Antologias e seletas literárias geralmente terminam em polêmica e geram inimizades, azedando antigos relacionamentos entre os organizadores de tais compêndios e os que, de uma forma ou de outra, se julgaram preteridos. Eu mesmo sou um pouco reticente em relação aos critérios adotados, em geral pouco literários e muito ao gosto do editor.

            Mas este Guia de Escritoras da Literatura Brasileira(EDUERJ – Editora da UERJ, 2006), da veterana Luíza Lobo, ela mesma uma das grandes escritoras aqui da terrinha, digna de figurar entre as 36 aqui selecionadas, está perfeito em sua seleção. Irretocável. Completo. O livro é simplesmente maravilhoso.

            Estão todas lá: Auta de Souza, Francisca Júlia, Cecília Meireles, Clarice Lispector, Gilka Machado, Cora Coralina, Nísia Floresta, Adélia Prado e muito mais. Só lamentei a ausência de Renata Pallotini e da pernambucana Marilene Felinto, uma escritora soberba, pouco lembrada pelos nossos cânones.

            36? Alguém pode achar pouco, para dois séculos de ficção e poesia.brasileira. Mas é importante salientar que a nossa literatura pra valer começou tarde, depois de muitos ensaios. É a partir de Alencar, já com o Segundo Império se apagando, que ela ganha corpo e uma feição genuinamente brasileira. As mulheres lutaram muito para ir muito além dos afazeres domésticos e se inserirem no contexto sócio-cultural do Brasil. Cada uma delas é um capítulo de bravura e determinação, como são os casos de Narcisa Amália, Auta de Souza, Cecília Meireles e Cora Coralina.

Há duas coisas curiosas a destacar. A respeito de Clarice Lispector, a organizadora nos traz uma informação surpreendente. Até há algum tempo atrás dava-se o ano de 1925 como sendo o de nascimento da escritora. Agora sabe-se que nasceu em 1920, o que derruba a fantasiosa ficção de que teria escrito Perto do Coração Selvagem aos 17 anos. Caiu por terra o mito da adolescente precoce. Uma mistificação? É mais uma história para incrementar a extraordinária biografia da autora de Laços de Família.

            Em relação à paulista Francisca Júlia, há uma incongruência. Diz ela, a respeito das estranhas circunstâncias de sua morte, que Otto Maria Carpeaux, no seu clássico Pequena Bibliografia Crítica da Literatura Brasileira, comenta sobre o “possível suicídio” da escritora. Pesquisei as várias edições do livro, nas páginas indicadas, e não encontrei tal referência ou comentário.

segunda-feira, 20 de abril de 2009





            

“Adoradores do Sol”: O ARTISTA-OPERÀRIO

 

            Certa vez assisti a um documentário sobre o veteraníssimo ator Karl Malden (o mais antigo ator ainda vivo, com 97 anos) e que fazia uma interessante colocação sobre o ator de Sindicato de Ladrões: um ator-operário, sempre disposto a dar o melhor e encarar qualquer papel que viesse. A partir daí desenvolvi uma tese segundo a qual alguns artistas comportam-se como se fossem disciplinados operários-padrões, visando diversos objetivos. Classifiquei-os em três categorias:

            A primeira é:


            “Tem trabalho, eu faço.”

Ou seja, pegam na vassoura, no esfregão, no balde e mandam ver. Para estes artistas, não importa a qualidade do roteiro, a possível rentabilidade do filme nem a futura receptividade do público. O Importante é estar em atividade. E ninguém mais representativo do que Nicolas Cage para exemplificar isto.

            Oriundo de uma tradicional família do cinema – sobrinho de Francis Ford Coppola, com quem trabalhou em Peggy Sue, e primo de Sofia Coppola, diretora do renomado Encontros e Desencontros, Cage optou por afastar-se do modelo familiar e artístico, abrindo mão do famoso sobrenome e preferindo uma carreira mais pop e escorregadia, alternando filmes ruins com filmes medíocres – todos de grande sucesso – com algumas preciosidades de vez em quando. Assim é que depois do magnífico O Senhor das Armas e deste lindíssimo O Sol de Cada Manhã – para mim o melhor de sua carreira – ele se volta para fazer coisas inacreditáveis como O Motoqueiro Fantasma.

            É importante observar que artistas que passaram anos de longo ostracismo ou sem conseguir um papel relevante em algum filme, como John Travolta e Christopher Walken, adotam esta postura tíbia. O primeiro é recordista em freqüentar a lista anual do Troféu Framboesa, o Oscar dos piores do ano. Já Walken declarou recentemente: “Hoje em dia não me preocupo mais com que filme vou fazer – o importante é que eu o faça.”

            Mas alguns fazem isto por prazer. O brasileiro Wilson Grey, o inglês Donald Pleasence, e os americanos Elisha Cook Jr. e J. T. Walsh  notabilizaram-se por longas carreiras marcadas pela presença no segundo escalão – sempre como atores-escada, sem se importarem com o tipo de filme ou com qual diretor trabalhassem. Cada um deles fez, no mínimo, 300 filmes (Pleasence fez mais de 500!), a maioria medíocres, sem nenhuma importância – só o prazer de trabalhar.

A segunda categoria é:

 

            “Ninguém quer fazer, eu faço.”

 

            Aqui entram os mistificadores da arte. Aquela cena difícil para a qual não parecia haver ator ou atriz disponível. Para embasbacar o público: um nu frontal, um beijo gay, uma cena sexualmente agressiva, ou mesmo Nicolas Cage – olha ele aí de novo – comendo uma barata em O Estranho Vampiro.

E quem mais senão ele,faria a tão criticada e odiada refilmagem do clássico Asas do Desejo, de Wim Wenders, agora americanizada como Cidade dos Anjos? Quem mais, senão Steve Martin, ator em franca decadência, faria as inacreditáveis refilmagens de Doze é Demais ( ainda teve a cara de pau de fazer a segunda – DUAS É DEMAIS!!!) e A Pantera Cor de Rosa, uma ofensa para a história do cinema?

            O público faz ooohhhh e os críticos medianos se perguntam: “Por que não ganhou o Oscar?” Levando-se em conta os princípios básicos da atuação e da representação, estabelecidos pelos dramaturgos gregos há mais de 2000 anos atrás...

            E a terceira é:

“Posso fazer melhor do que antes”

       

        Curiosamente, nos últimos anos, alguns consagrados atores vem desconstruindo suas carreiras, na contramão de seu prestígio conquistado. Comediantes como Robin Williams agora fazem filmes sérios e dramáticos como Insônia e atores sérios como Robert De Niro agora fazem comédias como Entrando Numa Fria e Bulwinkle. Os resultados variam do razoável , no caso de Williams ao insuportável, no caso de De Niro, a quem sempre considerei um canastrão disfarçado.


segunda-feira, 13 de abril de 2009

“Adoradores do Sol”:O CASO ADRIANO



Em uma de minhas obras, “Adoradores do Sol”, discuto temas ligados ao binômio fã/celebridade e a demais questões envolvendo carreira, sucesso, fama, posteridade e escândalos. O caso do jogador de futebol Adriano é um fato recorrente – mas não é inexplicável.

                        Em primeiro lugar, é preciso tirar o verniz de superficialidade imposto pela ingerência cultural imposta pela forma predominante de cultura no Brasil, a das Organizações Globo – notadamente em sua forma mais popular e aceita, a televisiva. Através desta somos condicionados a aprender e aceitar que todo mundo quer ser famoso, rico, belo, bem sucedido – e feliz. É o que procuram nos impingir o Big Brother Brasil, o Twitter, os vídeos no You Tube, e por aí vai. Ninguém mais se conforma com os 15 minutos de fama preconizados pelo glitter Andy Wharol.

                        Mas a prática logo derruba essa precária e falsa teoria. Nossos dois maiores artistas nacionais, os cantores/compositores Roberto Carlos e Chico Buarque, são pessoas tímidas, arredias, azedas com a imprensa, fugindo dos holofotes, apenas desejando perfazer sua arte em paz e longe de qualquer badalação. A história da cultura do século XX nos mostra um sem fim de gente eremita e que não está nem aí para os louros do sucesso: escritores como J. D. Salinger, Dalton Trevisan, Raduan Nassar e Rubem Fonseca não dão as caras nem para uma simples foto.

                        Músicos como Van Morrison, Tom Waitts e João Gilberto, por mais reclusos e exóticos que pareçam, na verdade apenas desejam que uma possível invasão de privacidade não lhes venha perturbar seu estado de contemplação e seu métier de composição. No cinema, a coisa é mais radical. Astros de ontem e de hoje, como Marlon Brando e Johnny Depp escolheram tratar os paparazzi  de maneira ingrata – o astro de Sweeney Todd  certa vez ameaçou bater nos fotógrafos que tirassem fotos de sua esposa,a cantora francesa  Vanessa Paradis e de seus filhos.

O imaginário brasileiro idealiza jogadores de futebol e cantores populares como pessoas dóceis, sempre prontas a dar autógrafos, distribuir sorriso e responder perguntas de pouca importância. Nem sempre é assim. O caso do Adriano me lembra exatamente o do cantor Luiz Melodia.

                        Costumo dizer que Melodia deveria estar hoje no sagrado patamar dos grandes da MPB, junto com Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento, Djavan e Gilberto Gil. Mas algo se perdeu pelo caminho. Como se diz no popular, ele tropeçou na sombra. “A sombra da neurose te persegue há quantos anos (“Ébano”)...Só o LP dele de 76 – aquele álbum de 4 que tem Estácio, Holly Estácio, Baby Rose e Congênito, entre outras canções -  seria suficiente para chamá-lo de gênio.

Numa entrevista dada ao JB há alguns anos atrás, ele explicou o que sucedeu depois do estouro de Juventude Transviada, gravada por Gal Costa em 1975. Assoberbado pelo repentino sucesso, fugiu do assédio do público e dos jornalistas, indo esconder-se em Salvador, até que a onda passasse. De lá para cá construiu uma carreira acidentada, como a premiação polêmica da citada acima Ébano em um Festival da Canção, e relações difíceis com gravadoras e com o público. Chegou a ser enxotado de um show no Rio pela platéia.

                       

quarta-feira, 8 de abril de 2009

ANA MARIA BRAGA, BABENCO E O REI EZEQUIAS

A sabedoria popular ás vezes é contraditada pela nossa realidade incipiente. Deus escreve certo por linhas tortas? A Bíblia diz que NEle "não há injustiça alguma" e "que seus caminhos são retos". Algumas verdades estabelecidas como lugar comum nem sempre funcionam desta maneira. E uma delas diz respeito às pessoas que passaram por situações extremamente difíceis, como sair vivo de uma grande catástrofe ou ser curado milagrosamente depois de ser desenganado pela medicina e, após tudo isso, tornar-se uma pessoa melhor, mais sábia, humana e compreensiva. Nem sempre.
A apresentadora de TV Ana Maria Braga é uma das pessoas mais influentes do Brasil. Com seu programa matinal de etiqueta, culinária, entrevistas e variedades, é a sucessora legítima no imaginário popular de outra loura,  que reinou soberana por muito tempo - Xuxa. A Globo precisa sempre de uma loura para manter o padrão e não deixar o barco afundar de vez.
Há poucos anos atrás a apresentadora foi diagnosticada com um câncer de relativa gravidade, o que consternou bastante seu imenso e dedicado público. Tratada, curou-se  - ou Deus escreveu pelas linhas certas?. Curada, continua a ser a mesma pessoa intempestiva e pernóstica de antes: destemperada com os subordinados do programa, malévola com os entrevistados, casca grossa e impaciente de um modo geral.
O mesmo sucede com o cineasta Hector Babenco, argentino naturalizado brasileiro, realizador de clássicos como "Lúcio Flávio - Passageiro da Agonia", "Pixote" e, mais recentemente, "Carandiru". Babenco, como a apresentadora, também passou pela situação de um câncer - e dos piores: linfático. Lembro-me de sua entrevista na VEJA, profundamente comovente, quando ainda estava em tratamento. 
Ele também ficou curado - mais algumas linhas retas - e também não mudou muito. Recentemente acossado pela reportagem do CQC (Custe o Que  Custar), chamou o repórter Oscar Filho de "bolha' e deu-lhe uma revistada na cara.
Isso tudo me faz lembrar a história do rei Ezequias, de Judá, fato que está narrado no livro do profeta Isaías, por intermédio de quem ficou curado. Ezequias foi um rei magnífico, talvez o mais espetacular depois de Davi e Salomão e um dos poucos que prestaram daquela tralha toda dos reis de Israel e Judá. Ele é lembrado, além das obras arquitetônicas que realizou, pela sua cura milagrosa.
A Bíblia diz que sua doença era uma "úlcera'. Presumo que fosse algo de mais gravidade, a ponto de afetar o seu comportamento. Porque depois de sua cura milagrosa, Ezequias virou outro - ou era a mesma pessoa com comportamento dúbio?
Segundo o relato de Isaías, este foi mandado por Deus ao rei para avisá-lo de que sua doença era incurável e sua morte iminente: "Põe a tua casa em ordem , porque morrerás e não viverás" (Isaías 38:1). O que se seguiu é bem notório de todos: Ezequias se derramou em lágrimas e Deus o curou milagrosamente, fazendo retroceder a sombra do relógio de sol. Esta passagem é o deleite e a delícia da maioria dos pregadores medianos que acham tudo isto muito simpático. Mas a verdade é outra: Deus não tinha intenção de curar o rei. Porque sabia dos problemas que isto acarretaria no futuro.
Esta é uma lição que aprendi ainda novo na fé, e que ainda guardo com muito respeito: a oração que não se deve fazer, a "Oração do Rei Ezequias." Se você insiste com Deus em querer algo que Ele sabe que não vale a pena, o relógio de sol pode até voltar no tempo - mas as consequências serão ruins.
Após sua cura, Ezequias recebeu a visita dos embaixadores de Babilônia. Claro, a esta altura todos os reinos próximos estavam bestificados com o ocorrido, depois de acharem que Ezequias, pedra no sapato de todos eles,  ia desta para a melhor. Pois bem, Ezequias os recebeu e fez algo completamente indevido: abriu os tesouros de seu reino e de seu arsenal e mostrou tudo aos estrangeiros, atiçando-lhes a cobiça futura.
Veio o profeta Isaías, mais uma vez, agora para repreendê-lo e avisá-lo do que ia suceder no futuro: seu reino seria invadido por estrangeiros, tudo seria levado e seus descendentes seriam levados como cativos. A reação de Ezequias foi exemplar: "Boa é a palavra do Senhor que disseste. Pois pensava: haverá paz e segurança em meus dias" (Isaías 39:8).
Ou seja, no popular:Tudo bem, eu não me importo mesmo - isso não vai ser por agora."






quinta-feira, 2 de abril de 2009

UM FRANCÊS TERRÍVEL

Não houve e jamais haverá na França alguém que tenha tomado para si as dores da pátria e encarnado a própria nacionalidade como o colérico e temperamental Victor Hugo, autor de "Os Miseráveis", "Nossa Senhora de Paris", "Os Trabalhadores do Mar" e tantas outras de sua pena que se tornaram imortais. O que Napoleão Bonaparte foi para a política, Hugo foi para a cultura de seu tempo. Chegou ao ponto de afirmar: "França, França, sem ti , o mundo ficaria só!" 
E há um curioso episódio que retrata bem isso. Quem o conta é Eduardo Prado, no seu magnífico "A Ilusão Americana" - mais de cem anos depois um  livro atualíssimo e que todo brasileiro preocupado com os arroubos norte-americanos tem a obrigação de ler.
Ora, a França acabara de sair de uma refrega com a Alemanha, tendo uma derrota vergonhosa e perdendo importantes partes de seu território nesse duelo. Então o presidente americano Ulysses Grant e seu Secretário de Estado, Briant, mandaram telegramas de congratulações à nação vencedora. Grant, herói da Guerra Civil e popularíssimo em seu país, estava em ano eleitoral e resolveu aliciar a colônia alemã radicada nos Estados Unidos. Simplesmente uma manobra eleitoreira.
Os franceses ficaram irados. E não era por menos: os dois países tinham laços cordiais de amizade, foi a França que ajudou os Estados Unidos em sua luta de independência contra a Inglaterra. Mas ninguém ficou mais exaltado do que Victor Hugo. Em um enorme poema, "Briand", descascou o Secretário de Estado  americano, autor da tramóia. O camarada foi chamado de verme pra baixo.
Tempos depois, o presidente americano visitou Paris com seu séquito presidencial e foi-lhe noticiado que estavam perto da casa do autor do criador de Jean Valjean e Quasímodo. Grant fez questão de visitá-lo e mandaram avisar o escritor que o presidente estava vindo. Hugo respondeu na lata:
 - Não quero falar com esse sujeito!
 E não o recebeu.